Se amanhã não for atingido por bala perdida nem sofrer um seqüestro-relâmpago, terei uma ditosa manhã, passeando pela Lagoa e vendo a plebe rude se esbofar nas zonas eleitorais para decidir se devemos abolir os termômetros para acabar com as febres -não, não é bem isso, o referendo é sobre outra coisa, se devemos aprovar ou condenar o comércio de armas.
Já faz tempo que decidi não votar em nada e em ninguém. Não precisam de minha opinião, nem mesmo eu preciso dela. Deixei de votar até mesmo na Academia, as coisas miúdas de lá, prêmios, moções disso ou aquilo etc. Não me sinto em cima de um muro. Simplesmente não vejo nenhum muro a separar a miséria humana.
O Estado, a mídia, os transparentes de diversos tamanhos e feitios, sobretudo os éticos de carteirinha, acreditam que a soberana vontade do povo pode acabar com a violência desde que haja um plebiscito sobre a venda de armas. São elas responsáveis ou pela nossa segurança pessoal ou pela violência que nos mata.
Os violentos não precisam de armas. Qualquer coisa, desde o insulto até o espancamento ou a facada, tudo serve ao violento para exercer a violência. Mesmo assim, embarcando na boa vontade do governo e da sociedade em acabar com os males que nos afligem, sugiro um plebiscito sobre o fim das penitenciárias. Nelson Hungria, um dos maiores penalistas que o Brasil já teve, dizia que a prisão é a universidade do crime. Além disso, por melhores e mais numerosas que sejam as prisões, elas não acabam, nunca acabaram com o crime e a violência. Servem apenas para gerar mais crimes.
Acabando-se com as penitenciárias todas, acaba-se com o problema dos presos, da superpopulação carcerária e das rebeliões e poupa-se dinheiro público que poderá ser aplicado em shows, passeatas e eventos contra a violência. Em havendo plebiscito sobre o assunto, o cronista talvez decida quebrar a sua greve de voto.
Folha de São Paulo (São Paulo) 22/10/2005