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Vinte brasileiros em um tempo diferente

 

Ele é o olho do repórter e do jornalista nesta nossa ABL: invariavelmente, aproveita o espaço do expediente das sessões plenárias para dar-nos notícia de um livro publicado, que encaminha à nossa Biblioteca; para comunicar-nos a conferência pronunciada por um confrade, com pedido de inserção nos anais; ou para informar-nos do prêmio concedido a um colega em júri nacional ou estrangeiro.


Mas hoje, quebrando essa rotina, ele é que será o alvo deste registro: trata-se do confrade Murilo Melo Filho, autor do livro Tempo diferente, lançado em co-edição pela ABL numa parceria com a Topbooks.


Temos aí um livro importante, que contém de saída a recomendação de três acadêmicos: Arnaldo Niskier o saúda, entre outros motivos, por uma convivência fraterna e profissional de 40 anos; Tarcísio Padilha ressalta a qualidade do autor, como espectador privilegiado e atento de tantas histórias e acontecimentos verdadeiros; e Candido Mendes assinala a caprichosa tessitura de toda uma instigante fase da sociedade brasileira, com revelações de muitos bastidores e episódios testemunhados.


Além deles, no prefácio, o jornalista Villas-Bôas Corrêa faz uma síntese da quadra histórica e febricitante, em cujo epicentro Murilo se moveu, durante 50 anos de familiaridade com personagens emblemáticos do cenário cultural, político e literário brasileiro, do qual elegeu 20, para compor-lhes um painel biográfico: Alceu Amoroso Lima, Assis Chateaubriand, Augusto Frederico Schmidt, Austregésilo de Athayde, Café Filho, Carlos Drummond de Andrade, Carlos Castello Branco, Carlos Lacerda, Celso Furtado, Evandro Lins e Silva, Getúlio Vargas, Guimarães Rosa, Jânio Quadros, Jorge Amado, José Lins do Rêgo, Juscelino Kubitschek, Otto Lara Resende, Rachel de Queiroz, Raymundo Faoro e Roberto Marinho.


Todos eles são personagens humanos, com suas virtudes e pecados, distantes das luzes da ribalta e expostos pela discrição de um repórter cônscio, de um amigo confidente e de um jornalista participante de acontecimentos históricos, entre outros: no suicídio de Getúlio, na vice-presidência de Café Filho, na construção de Brasília e na renúncia de Jânio.


Em cada capítulo, desvenda-se aos olhos do leitor - preso pelo encanto do estilo ameno, leve, atraente, quase coloquial - uma série de fatos e diálogos, muitos dos quais somente hoje revelados e trazidos à baila de forma profissional e respeitosa.


Se 20 foram agora objeto deste painel abrangente, que é Tempo diferente, Murilo Melo Filho decerto ainda tem para nos contar histórias e passagens, frases e referências de muitos outros protagonistas, pois conhecemos bem a sua intensa e pródiga participação durante meio século de atividade jornalística, ao longo da qual soube tecer com mestria firmes e mútuos laços de amizade, respeito, companheirismo e admiração.


A distribuição de sua galeria de atores, apresentados por ordem alfabética, e todos já mortos, procura com certeza passar ao leitor a marca da imparcialidade na sua apreciação e no seu tratamento. Esse critério, todavia, não impede que a leitura das entrelinhas nos revele aqueles que, no então repórter jovem e hoje no jornalista maduro, mais indelevelmente deixaram marcas pela ousadia das decisões, pelo espírito empreendedor e pela inabalável confiança nos seus projetos. Eis aí mais uma astúcia de Murilo, referida no prefácio de Villas-Bôas Corrêa.


Tempo diferente é uma obra de excelência, sobre um pouco da vida destes brasileiros, com os quais o autor conviveu, uns mais outros menos, mas todos eles notáveis nas respectivas áreas da cena brasileira em que atuaram: na ABL, na advocacia, Congresso, imprensa, governo, oposição, na poesia e no romance.


São brasileiros que realmente fizeram a diferença entre o tempo em viveram e os tempos atuais, em que vivemos - e que só Deus sabe como estamos atravessando - perplexos, estarrecidos e atônitos, com tanta corrupção, tantos mensalões, escândalos, subornos, propinas, malas cheias de reais e cuecas recheadas de dólares.


Tranqüilizam-nos as exceções!




Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) 26/10/2005

Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), 26/10/2005