Noite do último sábado. Repetindo um macete atribuído aos gregos, policiais disfarçados aqui do Rio instalam seu cavalo de Tróia na Rocinha. Alugam um barraco na zona do tráfico mais pesado da mais pesada favela carioca. Pela fresta de um aparelho de ar refrigerado, vêem o ponto onde mais se vende droga naquele morro.
Sabem que o chefe é um tal Bem-Te-Vi, o mais poderoso traficante do Rio. Acompanhado por seus seguranças, ele vai verificar como andam os negócios: de um lado, para não ser roubado por seu bando; de outro, em caso de conspiração, para não ser derrubado e morto pela ambição dos subordinados.
De posse de tais informações, obtidas na base costumeira, a polícia espera. Sabe que nas noites mais quentes, nos embalos ferventes dos sábados, o ponto, que já é quente, fica quentíssimo. Consumidores da zona sul, desesperados porque a droga acabou ou ficou mais cara nos bares e pontos-de-venda dos bairros vizinhos, sobem o morro e sabem que ali, nos domínios de Bem-Te-Vi, o regime é "non stop", farmácia 24 horas de plantão para atender a população em dramática emergência.
Bem-Te-Vi então aparece, entre duas e três horas da madrugada, hora do rush -que precisa ser fiscalizado pessoalmente pelo "capo", o olhar do dono engorda a galinha. Está armado o cenário para o bangue-bangue. Ferido, o traficante morre no hospital. Tudo nos conformes. Cada macaco em seu galho, policiais e bandidos fazendo o que deles se espera, ganhando neste caso a polícia, que eliminou sumariamente o bandido mais procurado nos últimos tempos.
A grosseira repetição do cavalo de Tróia só teve um diferencial. A causa da guerra entre gregos e troianos foi a beleza de Helena. Aqui na Rocinha, a causa foi o encanto da droga que os consumidores da zona sul foram buscar. E continuarão a buscar, variando as Tróias, mas a bela Helena sendo desejada em forma de pó.
Folha de São Paulo (São Paulo) 31/10/2005