Hoje, 45% dos brasileiros votariam em Serra no segundo turno e 41% em Lula, no limite do empate técnico -a margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos.
Folha Brasil, 23 de outubro de 2005
O estatístico acordou e, como sempre o fazia, espiou pela a janela. Céu nublado. Deveria levar o guarda-chuva? Com base em sua experiência pregressa, avaliou a possibilidade de chuva em 38%, com uma margem de erro de dois pontos percentuais, para mais ou para menos. Decidiu não levar o guarda-chuva, mesmo porque já havia esquecido três ou quatro no escritório.
A mulher dormia ainda e ele decidiu não acordá-la; professora universitária, ela tinha ficado até a meia-noite corrigindo trabalhos. Merecia o descanso. E de repente uma pergunta lhe ocorreu: será que ainda se amavam? Qual era a possibilidade de que isso acontecesse depois de 15 anos, três meses e oito dias de casamento, depois de dois filhos, um com 13 anos, seis meses e sete dias, outro com dez anos, dois meses e 20 dias? Poderia arriscar uma cifra, mas decidiu não fazê-lo, mesmo porque estava atrasado. Engoliu rapidamente o café (frio: cerca de 32 graus, concluiu, e não costumava errar: sua chance de acertar a temperatura dos líquidos era de cerca de 91%, com uma margem de erro de dois pontos percentuais para mais ou para menos). Desceu para a garagem do prédio e entrou no carro, um velho Gol. O motor não quis pegar e por um momento ele temeu que o automóvel o deixasse na mão. Mas as chances de que isso acontecesse eram de apenas 12%, com uma margem de erro de dois pontos percentuais para mais ou para menos, e logo ele estava no trânsito, congestionado como sempre. Estimou a sua chance de chegar no horário em 72%, com uma margem de erro de dois pontos percentuais para mais ou para menos. De fato, às nove em ponto estava sentando na sua mesa.
Tinha várias pesquisas para examinar naquele dia. As chances de uma marca de sabão ser preferida em relação a outra, as chances de um candidato a presidência de empresa ser eleito em relação a outro. Um trabalho a que estava habituado e que em geral transcorria com facilidade; as chances de concluir a análise de uma pesquisa em duas horas e 38 minutos eram de 83%, com uma margem de erro de dois pontos percentuais para mais ou para menos. O fato, porém, é que uma pergunta o atormentava: será que ainda amava a esposa? Na semana anterior a empresa havia admitido uma nova estatística, moça simpática e linda que fizera balançar o seu coração.
Naquele momento o telefone tocou. Era a mulher: só queria dizer que o amava. E ele, jubiloso, concluiu que também a amava. As chances eram de 100%. Com uma margem de erro de dois pontos percentuais para mais, só para mais.
Folha de São Paulo (São Paulo) 31/10/2005