Num de seus sermões o padre Antônio Vieira, S. J., trata do verbo roubar ou verbo rapio, conjugado pelos portugueses nas colônias de seu tempo e das quais tinha notícia.
Dizia o formidável pregador que esse verbo era conjugado em todos os tempos, no passado, no presente e no futuro, nos particípios e no gerúndio, nada ficando de fora da roubalheira pelos delegados da Coroa, sem que Sua Majestade ficasse sabendo, pois para roubar mais e muito mais os delegados impunham a lei do silêncio, a famosa omertá dos mafiosos sicilianos.
Os ladrões que estão sendo projetados pela CPI também roubaram em todos os tempos. Supondo que se não fosse descoberta a maroteira que premiou parlamentares da camaradagem, termos apropriados para os tipos das esquerdas que cercam o presidente. É esse, pois, o verbo mais conhecido das ratazanas das câmaras nacionais. E mais fariam se não fossem descobertos.
Como se vê, o verbo roubar vem sendo proferido há séculos e teve no grande jesuíta um de seus censores enérgicos. Seu sermão é uma valiosa peça de censura dos costumes coloniais de sua época e da época de hoje. Evidentemente, esse não é um consolo para nós, que estamos observando o funcionamento da CPI das fraudes do mensalão e outras mazelas da política brasileira.
Quando se fala tanto de reforma política é oportuno lembrar que as fraudes com dinheiro público não combinam com uma democracia participativa digna desse nome, mas, sem dúvida, a roubalheira beneficiou não pouco as obscuras personagens que foram projetadas no cenário político, e inopinadamente, para surpresa nossa, que deles nunca ouvimos falar.
O que tem sido revelado pela CPI seria inimaginável num regime decente. Mas neste regime, sobre o qual vivemos, já ouvimos falar do "rouba, mas faz" mais de uma vez e conhecemos fortunas feitas à sombra do poder na vida de vários indivíduos, que de outra maneira não conheceriam a fortuna.
Desconfiamos há muito dessas comissões de parlamentares de inquérito que investigam ações malévolas para os interesses nacionais e não punem os culpados, para exemplo das novas gerações que se manifestaram, mais de uma vez nos últimos tempos, com ceticismo no julgamento sobre a política nacional.
É o que devem pensar os parlamentares que são responsáveis pela apuração das ações condenáveis que estão vindo a lume.
Diário do Comércio (São Paulo) 05/09/2005