Lendo o livro de Jorge Semprun "O Morto Certo" (editora Arx, 2005), fiquei impressionado com a sucessão de misérias ocorridas no campo de concentração de Buchenwald, onde o escritor espanhol esteve durante os últimos anos da 2ª Guerra Mundial. Já conhecia o horror dos outros campos onde milhões de judeus foram massacrados.
Buchenwald não era destinado exatamente a judeus e minorias raciais existentes nos países invadidos pelo 3º Reich. Localizado nas vizinhanças de Weimar, quase à sombra das alfaias onde Goethe mantinha suas conversas com Eckermann, tornara-se o inferno de comunistas e resistentes, alemães ou não, que se insurgiam contra as forças de ocupação nazistas. Semprun era um deles. A maioria fazia trabalhos forçados, alguns poucos eram designados a tarefas administrativas. Havia inclusive uma pequena biblioteca onde os usuários podiam conversar mais livremente. Numa dessas conversas, com um ex-professor universitário, embora nenhum dos dois fosse crente, estranharam o silêncio de Deus nos rumos da humanidade."Levando em conta a fábula bíblica, a última vez em que Deus falou aos homens foi no monte Sinai. De lá para cá, ou a história se retirou de Deus ou Deus se retirou da história".
As atrocidades cometidas durante aquele conflito, que incluíam não apenas os campos de concentração mas todas as misérias praticadas, muitas vezes por ambos os lados da guerra, pareciam dar razão às reflexões dos dois intelectuais que haviam lutado na Resistência. Semprun chega a lembrar o mal radical, o "Das radikal Böse", de Kant, cuja experiência ali estava, de forma nítida, irrefutável.
Nem sempre a história vive um clímax tão dramático, em que o mal radical é esfregado com violência na face humana. Aquele período foi um desses momentos. Mas há diversos outros em que muda apenas o grau, mas não o gênero do mal radical, que equivale, até certo ponto, ao silêncio de Deus.
Folha de São Paulo (São Paulo) 05/09/2005