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Os anéis e os dedos

 

Três comissões de inquérito no Congresso, centenas de declarações bombásticas contra a corrupção, outras tantas promessas de cortar fundo na carne e ir até o fim das investigações, punindo na base de doa a quem doer, pressão da mídia (mais do que da opinião pública) -e a crise aí está, não exatamente em feitio de pizza, que precisa de forno bem quente, mas de uma pasta informe cozida em banho-maria.


Tanto as CPIs como a própria mídia perderam-se em detalhes horizontais, minúcias que provavam o que provado estava, fulanizando corruptos, deletando corruptores.


Na tradição oportunista de dar os anéis e salvar os dedos, a classe política, mesmo a mais saudável, caiu por gravidade na solução que era prevista: jogar às feras a parcela negociável dos anéis, salvando a integridade dos dedos.


Nessa parcela negociável entregue à sanha dos que pediam sangue (para usar a expressão de um dos anéis mais notórios da crise), poderão figurar um ou outro peso-pesado, como o ex-ministro José Dirceu. O resto é anel de bijuteria, vendido em banca de camelô.


Dando os anéis e salvando os dedos, a classe política, como um todo, salvou a própria pele. Passará um tempo evitando fazer marola, mas há a proximidade de uma eleição para presidente, governadores e congressistas, o Grande Bródio, cujos temperos não serão alterados, apesar das promessas de mudar as regras de financiamento das campanhas eleitorais -origem e fim da corrupção que veio a público e da que permanece submersa.


O revoltante, sempre que se fala em corrupção vinda dos escalões superiores da classe política, é a blindagem feita em torno de vestais escolhidas aleatoriamente ou em troca de favores igualmente blindados a determinados grupos. Basta citar o caso das privatizações e da emenda que garantiu a reeleição de FHC. A corrupção foi bem maior do que a revelada agora e que tanto provoca a cólera tardia da mídia.




Folha de São Paulo (São Paulo) 06/09/2005

Folha de São Paulo (São Paulo), 06/09/2005