As reuniões do ''Plantão da Crise'', no centro do Rio de Janeiro, permitem, talvez, um primeiro corte do que seria nossa interrogação diante da crise, com resposta de um público universitário, independentemente dos clichês ou dos fatos consumados que tomam conta da dita opinião pública. Perguntamo-nos em que medida os choques clássicos do moralismo ameaçam a lógica mais profunda da chegada de Lula ao poder. O processo das CPIs pode ter descarrilado e as convenções de sempre talvez não mais regulem, afinal, o seu clímax. De toda forma a dita pressão popular desemperrou os relatores das CPIs, juntando à ida de Jefferson ao patíbulo - e já por unanimidade da Comissão de Ética - os 19 outros possíveis perdedores de mandato.
O crescendo desses espantos exige também para entende-los que se estabeleça um contraponto entre as manchetes e o que possa porejar na conversa cotidiana fora da mídia, filtrada, por exemplo, na malha única da Internet e sua surdina. Ou no que, afinal, venha a dizer a praça. Stédile tem repetido o quanto represa e segura a sua gente do MST, tal como as chefias sindicais hesitam em soltar o seu povo frente aos palácios de Brasília.
Um teatro lotado, para mais de meio milhar de pessoas, entre estudantes, afiliados do PT, desencantados com o partido, adeptos de todas as siglas desta mesma esquerda, sinalizam uma amostra de como vai o sentimento da crise. Da exigência de purga do PT, à defesa da tarefa histórica da legenda, a convicção do país pede outros olhos que os do denuncismo sazonal, na indignação de sempre dos cartolas ou da nova cobrança cidadã.
Os debates do ''Plantão da Crise'', na UCAM, apontam rasgo mais diferenciado e exigente do rumo desses dias, frente ao novo racha entre a confiança no PT ou em Lula. Como reagiu este questionário quanto à necessidade de depuração petista? Compactuou a legenda diferente com os usos e costumes arraigados da nossa vida política? As novas denúncias de corrupção constituem verdadeiramente um escândalo diante de uma prática correntia, useira e vezeira do sistema eleitoral?
Os resultados são absolutamente categóricos, já que 92% dos interrogados exigem do PT realizar, de imediato, a expulsão dos seus corruptos. Não se trata de aguardar uma manifestação geral do Congresso, suas provas lentas ou impossíveis, mas, de agora, realizar o que espera o país pela própria iniciativa da legenda diferente. Da mesma forma, 85% dos membros do ''Plantão da Crise'' entendem que o PT não pode aceitar que o ''caixa 2'' - prática mais generalizada desses abusos - seja tolerado pelo partido do ''outro Brasil''.
De outro lado, se não se registram ainda provas materiais do ''mensalão'', para 53% dos entrevistados a convicção é já indiscutível, podendo determinar os correspondentes processos punitivos. Se se reconhece que há corruptos dentro do PT, não é do mesmo porte o sentimento de que a praga tenha contaminado o partido, da mesma forma que todo situacionismo brasileiro. 31% dos entrevistados refugam a hipótese e negam o fenômeno como algo de inevitável a toda legenda que chegue ao poder.
Os debates deste mês mostraram sobretudo a viabilidade de superar-se, como atitude geral do PT, a mera e estrita urgência do expurgo moralista. A manifestação foi nítida no definir-se o que continua a diferença petista e o seu dever de mantê-la. 74% das respostas acham que ela reside ''na integridade da legenda'' acima de tudo, para responder à tarefa de dar voz ao outro Brasil. Noutras palavras, o refundacionismo não está na linha dominante deste mero ir ''à frente'', mas no esforço de autocorreição interna, mantendo explícita e coesa a sua força política. Não se cogita, por essa mesma resposta, pois, nem de regenera do partido, nem de entrada em legendas congêneres, nem da implosão do PT pela pureza política.
Sobretudo, entretanto, os presentes debates podem abrir luz sobre a questão talvez mais crítica, no que vincule a crise do PT ao abate de Lula e à perda de sua confiabilidade. Saberia a Presidência da gestão de Delúbio? Ou melhor, até onde ficaria, dentro da prática normal do seu exercício de poder o ter-se delegado esta operação aos ''detalhes da administração'' a cargo da Casa Civil? Neste caso, mais que a uma maquinação e a um crime de quadrilha dos estratos dirigentes, como quer a oposição, a participação do ex-Tesoureiro no esquema Valério deveu-se a um estrito ''deslumbramento'' com os esquemas estabelecidos de compra de votos e gastos eleitorais desde há muitos verões.
Significativamente, a resposta à indagação quase que corta ao meio a percepção dos membros do debate. Na verdade, 42% dos interrogados acreditam que se trata, sim, de ingenuidade e amadorismo do personagem. O ''Plantão'' volta, ao fim do mês, às novas interrogações da crise, como a do quanto o Congresso se expõe a virar o quase ''inimigo do povo''. E na transigência de Tarso Genro vai à frente, a idéia de resguardar-se, íntegro, o Campo Majoritário, mesmo sobre o nome de uma refundação do PT? Ou o imperativo de expurgo levará ao esfacelamento suicidário da legenda? Que Câmara fará a faxina ao denuncismo? Ou, no clima do ''fora todos'', livra-se o país também, em boa hora, dos Severinos, e dos porões da pior representação política do último meio século?
Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) 07/09/2005