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Trajes menores

 

Na primeira legislatura do Congresso Nacional após a ditadura do Estado Novo, o primeiro deputado cassado por falta de decoro parlamentar foi Barreto Pinto. Não tenho certeza se havia "mensalão" naquela época, talvez houvesse, mas sem dar tanto na vista. O que deu na vista é que o deputado, que vivia com uma milionária num palacete na avenida Oswaldo Cruz, foi fotografado de cueca.


Não consta que houvesse dinheiro na jogada. Uma cueca é uma cueca, serve para outra coisa, embora possa servir para guardar dinheiro.


A história é conhecida, pelo menos o foi na época. Figura extravagante, Barreto Pinto gabava-se de viver como milionário, conquistara uma famosa cantora lírica, dona do palácio Martinelli. Plebeu de origem, gostava de aparecer como um "grand seigneur". O fotógrafo Jean Manzon, de "O Cruzeiro", foi fazer uma entrevista com o deputado. Pediu uma foto em que ele, de casaca, estivesse bebendo champanha, no esplendor de seus domínios.


Combinaram que Barreto Pinto vestiria apenas a casaca, a camisa e a gravata, a foto seria tirada da cintura para cima - com a boa vida que levava, o deputado havia engordado e seria difícil espremê-lo dentro da calça adequada. A revista publicou a foto inteira, a casaca, a cueca e, dentro delas, o deputado.


A sociedade (a mesma que hoje está estupefata com outra cueca) ficou pasma, digo mais, ficou repugnada diante de um representante do povo que se apresentava à face da nação em trajes menores (naquele tempo, cueca era palavra que não se publicava na imprensa, o politicamente correto adotado pelos jornais era a expressão "trajes menores").


Não sei por que estou falando em cueca no dia de hoje, em que a pátria comemora o 183º aniversário de sua independência. Os primeiros portugueses que aqui chegaram estranharam as "vergonhas" dos nossos índios. Melhoramos muito com nossos trajes menores.




Folha de São Paulo (São Paulo) 07/09/2005

Folha de São Paulo (São Paulo), 07/09/2005