Volta e meia, um parlamentar ou membro do Judiciário lembra que o Estado é separado da igreja e pede que nos hospitais e escolas públicas sejam retirados os crucifixos, símbolo de uma religião, a cristã, e seus desdobramentos confessionais, a católica sobretudo, que é tida como a da maioria dos brasileiros.
Não deixa de ser constrangedor um judeu ou um muçulmano internar-se num hospital público e ter uma cruz na cabeceira do leito. O certo seria cada um levar consigo, com seus objetos de uso pessoal, o símbolo de seu credo, a estrela de Davi, por exemplo, para os judeus.
Há escolas e hospitais mantidos por ordens religiosas católicas e protestantes, onde a cruz seria um símbolo natural e adequado (Na maioria dos hotéis do mundo ocidental há um exemplar do Novo Testamento na gaveta da mesinha de cabeceira. Um budista, um judeu, um muçulmano nada teriam a fazer com ele.) No caso dos tribunais é diferente. Desde a proclamação da República, não existem tribunais religiosos no Brasil, são do Estado, que é leigo por excelência. A retirada do crucifixo, como expressão de uma determinada religião, seria obrigatória.
Acontece que a cruz não é apenas um símbolo religioso. Ela esfrega em nossa cara, na cara dos juízes, promotores, advogados e réus, um dos maiores erros judiciários de todos os tempos. O processo que levou um inocente à pena capital seguiu formalmente os requisitos legais. O réu foi julgado pelos tribunais da sociedade colonizada pelos romanos e, por fim, pelo procurador que representava, judicial e militarmente, o império romano, dono absoluto do pedaço.
Houve testemunhas (todas na base do contra), o réu foi interrogado, teve o direito de responder às acusações, a seu modo, evidentemente. O próprio representante de Roma inclinou-se a absolvê-lo, mas cedeu à pressão da sociedade local. Um erro judiciário que, em contextos diferentes, vem se repetindo ao longo da história.
Folha de São Paulo (São Paulo) 28/09/2005