Nascido em São Paulo, a 14 de maio de 1919, falecido dia 2 de agosto último, Diogo Pupo Nogueira foi professor-titular aposentado de Medicina do Trabalho no Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Essa perda irreparável não mereceu atenção especial por parte de nossos jornais, rádio e televisão, não obstante tratar-se de um dos maiores cientistas brasileiros, que, pelo seu saber e benéfica atuação, veio compor a notável galeria de benfeitores, em que figuram Oswaldo Cruz e Carlos Chagas.
Já tive oportunidade de lamentar, nesta mesma página, o freqüente e rápido esquecimento de homens que souberam, por sua ciência e dedicação aos valores sociais, tornar-nos mais cultos e melhores, em impressionante contraste com o amplo noticiário sobre a morte de modestos cantores de música popular. É claro que não sou contrário a tais comemorações, mas uma nação somente adquire identidade quando sabe lembrar também aqueles que, em qualquer domínio da atividade humana, ajudaram a projetá-la ao cimo da História.
Como, porém, é sempre tempo de reparar injusto olvido, vou dedicar algumas palavras à memória de Diogo Pupo Nogueira.
Ainda estudante, cursando o quarto ano da Faculdade de Medicina da USP, Diogo Pupo Nogueira passou a trabalhar na Clínica de Moléstias Tropicais, então sediada na Santa Casa de Misericórdia, tendo sua atenção atraída pelos problemas de higiene e medicina do trabalho, aos quais iria dedicar toda a sua existência.
Nem bem diplomado, começou a trabalhar no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), em salutar convívio com o engenheiro Roberto Mange, seu criador, empenhado em implantar a segurança do trabalho no Brasil. A dupla preocupação, a da pesquisa científica e a ação social, caracterizou, pois, sua profissão de médico, levando-o a dirigir os serviços de medicina no trabalho de uma grande empresa industrial.
Foi esse o seu laboratório inicial, de tal forma que a teoria e a prática distinguiam seu desempenho no magistério universitário, tendo assumido, em 1951, a direção da Clínica de Moléstias Tropicais e Infecciosas da faculdade. Esses encargos jamais o privaram do ensino, tendo sido orientador de várias teses de mestrado e doutorado e feito parte de dezenas de comissões julgadoras de concursos, com fecunda participação em congressos realizados no Brasil e no estrangeiro.
Em 1954, já tendo granjeado renome na área da Saúde Ocupacional, foi convidado para o Serviço de Higiene e Segurança do Trabalho, Indústria e Comércio, o qual, por convênio estabelecido com o então Ministério do Trabalho, lhe permitiu conhecer numerosos tipos de empresas, desempenhando relevante papel em momento decisivo da industrialização do País. Consultor da Organização Internacional do Trabalho (OIT), tornou-se, desde 1981, membro do Board of Director da "International Comission on Occupational Health", e foi impressionante o número de seus trabalhos em revistas científicas e em livros.
Todavia, o que desejo aqui realçar é a sua contribuição na criação de institutos e órgãos de Medicina Ocupacional, da maior importância para o Brasil, que, infelizmente, figura entre as nações com maior número de acidentes do trabalho. Tais empenhos de ordem prática não impediram que Diogo Pupo Nogueira realizasse uma obra científica de primeira grandeza na literatura médica brasileira, descobrindo a existência de várias graves doenças ocupacionais tanto nas cidades como no campo.
Causa perplexidade saber que, não obstante a indústria têxtil ser uma das mais antigas no Brasil, foi somente em 1972 que Diogo, à testa de uma equipe de pesquisadores, pôde demonstrar o mal acarretado pela bissinose, doença causada pela inalação da poeira de algodão, passando ele a exigir das empresas e do governo medidas especiais de proteção.
O mesmo se diga da asbestose, outra grave afecção pulmonar, produzida pela inalação de asbesto ou amianto, do qual o Brasil é grande produtor. Foi só em 1975 que Diogo Pupo Nogueira publicou trabalho na Revista de Saúde Pública chamando a atenção dos responsáveis, dada a ocorrência desse mal, com conseqüências seriíssimas, como a de câncer do pulmão ou da pleura.
Apesar de largamente utilizado o amianto em nosso parque industrial, era essa a primeira vez que a doença era nele comprovada. Outra moléstia identificada por Diogo, em 1981, foi a silicose, decorrente da inalação de poeira contendo sílico livre, como se dá na indústria cerâmica, até então alheia a qualquer providência de caráter preventivo.
Não é demais salientar que o incansável professor sempre uniu a teoria e a prática, devendo-se a ele a criação do primeiro curso de pós-graduação em Saúde Ocupacional, bem como a instauração de entidades empenhadas na proteção dos trabalhadores. Com razão é ele considerado o maior pioneiro da Medicina do Trabalho no Brasil.
Nada mais justo, por conseguinte, que fosse atribuído a Diogo Pupo Nogueira, em 1986, o Prêmio Moinho Santista na área de Segurança e Medicina do Trabalho, conforme decisão do Grande Júri, formado pela reunião de dezenas de reitores das maiores universidades brasileiras e de representantes de nossas mais expressivas instituições culturais. Como presidente da então Fundação Santista, hoje Fundação Bünge, congratulei-me com a escolha feita, ao se conferir a láurea a um cientista compenetrado do sentido social e existencial da ciência.
Para finalizar o presente artigo, nada é melhor do que recordar a seguinte proclamação de Diogo Pupo Nogueira, que assinala o roteiro de sua grande vida: "O trabalhador deve ser conscientizado sobre a importância de preservar a sua saúde. É preciso que ele esteja realmente predisposto a receber essa orientação, utilizando os equipamentos de segurança fornecidos pelo empregador, e obedecendo às sinalizações e normas que têm por objetivo evitar acidentes. Só através desta educação básica poderá fazer valer seus direitos de exercer atividades profissionais em ambientes que ofereçam condições satisfatórias. A mesma conscientização deve ter também o empregador, em assumir a sua missão de zelar pela segurança de seus funcionários."
O Estado de São Paulo (São Paulo - SP) em 30/08/2003