Não será para os meus dias, mas não custa me lamentar. O Luís Edgar de Andrade costuma dizer que a maior injustiça do mundo foi a tardia aparição do e-mail. Ele tem a certeza de que tudo seria melhor se o Otto Lara Resende tivesse acesso ao novo recurso de comunicação que hoje está disponível a qualquer um, menos a ele, que tanto adorava escrever cartas, bilhetes e recados.
Ao contrário do Otto, não gosto de escrever e se o faço é por vil necessidade de ter um teto para me abrigar e um prato de sopa para me alimentar. Mas estou aqui para me lamentar e se não faço o mesmo lamento que o Otto faria, faço outro, na esperança de que um dia inventem o controle remoto da realidade, das coisas como são e estão por aí.
Outro dia, estava numa conferência sobre a influência dos simbolistas no modernismo, eruditos de todos os tamanhos e feitios falavam em Mallarmé e Baudelaire e eu lamentei não ter um controle remoto para, com um simples clique, mudar de canal, como costumo fazer quando estou vendo TV.
Seria saudável mudar de paisagem e assunto quando entramos numa dessas frias cerimônias que não acabam nunca, jantares intermináveis, esperas abomináveis. Sem sair do lugar, sem esforço de mente e corpo, sem qualquer custo adicional, apertarmos um botão e passarmos instantaneamente para outro programa. Não seria eu o transportado, mas a realidade da qual estou fazendo parte.
O controle remoto não me livraria apenas das coisas inúteis ou chatas, mas daquilo que não gosto nem preciso ver. Num temporal recente, aqui no Rio, peguei um engarrafamento nefando em Botafogo. Nada podia fazer, ninguém podia fazer nada. Se tivesse o tal controle remoto - que um dia ainda será inventado - removeria todos os ônibus encharcados à minha frente e teria a meu dispor uma campina verde, coberta de flores e pássaros, e não estaria indo para uma missa de 7º dia.
Jornal do Commercio (Rio de Janeiro - RJ) em 04/09/2003