Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > Seresta em Conservatória

Seresta em Conservatória

 

"Minha vida era um palco iluminado/ Eu vivia vestido de dourado/ Palhaço das perdidas ilusões."


De longe, mesmo antes de chegar à rua da seresta, era possível ouvir o Caldas e seu violão recordando, com voz forte e segura, o clássico "Chão de Estrelas", que consagrou o seu homônimo Sílvio Caldas. Estávamos em Conservatória, um mimo da cultura brasileira, a duas horas e meia do Rio de Janeiro, perto de Valença e Barra do Piraí. Preciosidade histórica, antiga estação de trem, onde hoje fulgura a "Maria Fumaça 206", de outros tempos, mas que os orgulhosos moradores dizem que ainda está em forma. Fui até o seu interior, de onde acabei expulso pelas violentas badaladas de um jovem que, freneticamente, acionava o sino da antiga máquina, de tantas idas e vindas a Valença. Como seria bom se isso voltasse...


É uma canção atrás da outra, num espetáculo ao ar livre que se repete de sexta a domingo, para milhares de forasteiros vindos do Rio, de Minas, de São Paulo e até do exterior. É uma forma tocante e bem pensada de homenagear as preciosidades eternas da música popular brasileira.


Futuro garantido


O povo pede, os violonistas estão a postos. Agora uma para recordar Herivelto Martins, a lembrança pega também a sofrida Dalva de Oliveira. Agora é a vez de Lupiscínio Rodrigues. Vamos lembrar o Cartola? As músicas se sucedem, o entusiasmo aumenta, chega um rapaz sendo puxado pelo braço do pai ou algum parente. Ele tem só 13 anos. Uma surpresa para o senhor. Ele fica sozinho, com o seu violão, e canta um dos nossos clássicos. O parente vibra de alegria: "Estamos cuidando do futuro da seresta. Ele é um dos que não vão deixar cair a nossa paixão pela seresta brasileira." Aplausos.


Um deles mostra a canção que dedicou à esposa, ali presente. "Tu és a minha vida!". Ela faz o contraponto e é tudo tão emocionante que dá vontade de chorar de alegria. Festa para quem tem o coração ainda forte.


Uma volta pela cidade é suficiente para conhecer o seu respeito à tradição. Lojinhas em penca de produtos artesanais, santas barrocas de papel (serão exibidas na França), museus sucessivos. O primeiro que alcançamos é o de Vicente Celestino. Somos recebidos pelo curador Wolney Porto, que pede tempo para depois visitar também os museus dedicados a Sílvio Caldas, Gilberto Alves, Nelson Gonçalves e Guilherme de Brito. "Vim para cá há seis anos, sempre fui colecionador, aqui encontrei o clima para este tipo de rememoração." Roupas expostas do grande cantor, fotos dos gloriosos tempos da Rádio Nacional, a vestimenta estropiada da peça teatral "O ébrio", talvez a obra-prima da carreira de Vicente Celestino. No meio daquelas preciosidades, Wolney aponta para um vestido preto: "Foi a Ângela Maria que me deu de presente." Quanto vale isso?


Não se diga que o Governo tenha sido pródigo no apoio a esses "heróis". Às vezes, alguma ajuda, mas nada substancial. Está na hora de reverter esse quadro. Vamos levar os seresteiros para se apresentar no "Fim de Tarde", no Teatro João Caetano. Temos certeza do seu êxito. E vale o apelo para que as autoridades de obras pensem em asfaltar o caminho que liga Valença a Conservatória, para facilitar o acesso a partir de uma região que, como ocorreu com o Festival de Inverno, recebeu cerca de 50 mil turistas. Seria um natural desdobramento desse bom momento da valorização cultural por que passa a região onde floresceu o cultivo do café, com seus mistérios, barões e muito dinheiro.


 


Jornal do Commercio (Rio de Janeiro) 01/08/2005

Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), 01/08/2005