Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > O satânico Dr No

O satânico Dr No

 

Questão que não tem resposta: a ficção copia a realidade ou a realidade imita a ficção? Não tenho opinião sobre o assunto. Há casos comprovando uma e outra teoria.


Com o escândalo do mensalão, são inúmeros os pontos de contato com obras de ficção, sobretudo com filmes em que o conflito do Bem contra o Mal (ou do Mal contra o Bem) é travado por um só mocinho, que encarna a lei, contra uma organização poderosa e secreta, voltada para o Mal, com a ambição de dominar o mundo.


Para dar um exemplo, lembro os filmes de James Bond, baseados nos romances de Ian Fleming. O esquema é sempre o mesmo: O herói recebe a missão de combater a organização maléfica, que dispõe de uma tecnologia mil vezes superior à do país ameaçado. O chefão mora num palácio-fortaleza, encravado numa montanha que se abre miraculosamente para receber aviões a jato, e de onde dispara foguetes espaciais mais sofisticados do que os da Nasa. Rastreia os adversários com uma rede de câmeras que ainda não existem no mercado.


A ação não começa com a exibição da parafernália fantástica. Prosaicamente, o herói se defronta com bagrinhos, laranjas, o baixo clero do Mal: motoristas que o pegam no aeroporto para levá-lo ao hotel; boys que carregam suas malas até o quarto; garçons que lhe servem comidas envenenadas; mulheres deslumbrantes que o seduzem, mas deixam nos lençóis uma tarântula mortal; policiais que aparentemente o auxiliam. Todos estão a serviço de um tal Dr. No, que só aparece no final, afagando um gato no colo, mas dispondo de um formidável arsenal, de botões que podem fazer o globo terrestre explodir. Além de um alçapão cheio de jacarés famintos.


Pulando para a realidade. A sociedade tenta funcionar como um herói do Bem. Diariamente, precisa vencer motoristas, boys, mulheres, tarântulas e policiais. E nem sempre consegue chegar ao satânico Dr.No.




Folha de São Paulo (São Paulo) 03/08/2005

Folha de São Paulo (São Paulo), 03/08/2005