No final da semana passada, começaram os rumores de que se prepara um acordo para abafar as duas CPIs em curso. Vozes isoladas garantem que não há clima para tal e tamanha pizza -mas há cheiro de mussarela derretida no ar, saída quentinha dos fogões de lenha de Brasília.
De todas as hipóteses sobre a corrupção no atual sistema de poder, não podia haver ameaça pior. Deus é testemunha de que nada tenho contra as pizzas, pelo contrário, muito as aprecio. Mas a pizza que está sendo preparada por pizzaiolos experientes, com horas e horas diante dos fornos da política, equivale ao Nada. Repetindo Heidegger, devemos ter a "coragem para temer o nada" -"Mut zur Angst vor dem Nichts".
Leitor e, segundo Eduardo Portella, sósia do filósofo alemão, aprendi a temer o nada, procurando ter coragem para isso. Não é fácil. Homens de minha geração acumularam tantas decepções, tantas quebrações de cara, que devíamos ter adquirido coragem suficiente para temer mais um nada, que, desta vez, parece que será mesmo servido em feitio, cor e cheiro de pizza.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, havia a promessa de uma vida livre e prazerosa. Um cartaz espalhado pelo mundo apelava para que todos colaborassem na construção da paz: uma família risonha, pai, mãe, um casal de filhos e um cachorro, numa lancha confortável, mas relativamente modesta, cortando um mar azul e calmo, a areia branca de uma praia com coqueiros, ao longe.
Depois veio o fim da ditadura do Estado Novo, mais tarde, o fim do regime militar, a liberdade abrindo as asas sobre nós, o povo orgulhoso de um país justo e decente. Um político paulista lançou a palavra de ordem: "Desta vez, vamos!".
Não fomos. O político terminou seus dias cassado por corrupção, foi obrigado a fazer cirurgia plástica no rosto para esconder sua vergonha.
Heidegger está certo: devemos ter coragem para temer o nada. Infelizmente, continuo covarde.
Folha de São Paulo (São Paulo) 04/08/2005