A Comemoração dos nossos primeiros 500 anos encontra a língua portuguesa diante do que talvez seja o seu maior desafio: a globalização. Explico: cada vez que a Internet se populariza um pouco mais, com os seus milhões de endereços eletrônicos, há uma tendência por ora incontornável de supremacia da língua inglesa. Como se ela representasse, hoje, o esperanto antes sonhado por Zamenhoff.
Os números são assustadores e foram mostrados pelo embaixador da França no Brasil, Alain Roqué, no Seminário "Idioma e Soberania ", realizado na Câmara dos Deputados, em Brasília. Segundo estudos do Instituto da Francofonia, em todos os correios eletrônicos existentes no mundo a língua inglesa está presente em cerca de 75% das ações; o francês fica em 2,8%; o espanhol em 2,6% e o português em apenas 0,8%, o que dá a perfeita dimensão de que a globalização tem dono.
Com energia, no citado seminário, o embaixador de Portugal, escritor Francisco Knopfli, garantiu que a lusofonia pode enfrentar com êxito qualquer "eventual" assalto cultural lingüístico de feição anglo-saxônica. E para isso conta com as características multipolares do século XXI, no que tange ao uso das seis mil línguas existentes no planeta. Particularmente, ressalta a língua portuguesa, que é a terceira mais falada no mumdo ocidental, depois do inglês e do espanhol.
Não devemos nos subjugar à globalização lingüística, que aparentemente amplia o fosso que nos separa das nações pós-industrializadas.
O fenômeno é reversível, como demonstram as potencialidades inexploradas da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Cruzar os braços, por exemplo, diante da vontade explícita do Timor Lorosa e de adotar a língua portuguesa como oficial, é quase um crime de lesa-pátria, quando se conhece o natural apetite australiano pela conquista cultural do importante e estratégico território asiático.
O reforço a essa tese pode ser encontrado nas atuais preocupações do Governo da França, animado com as perspectivas da latinidade. O namoro está firme, envolvendo Academia Brasileira de Letras, com a edição da segunda versão do Prêmio da Latinidade, a ser entregue ao escritor italiano Pietro Citati. Saímos do domínio muito nosso das palavras para alcançar o terreno da efetividade.
A reação ao predomínio anglo-saxônico encontra reforço na videoconferência com que a Embratel comemorará a inauguração da ligação interatlântica através de canais ópticos. Intelectuais do Rio e de Lisboa discutirão um tema instigante, que tem tudo a ver com a atualidade, que é o futuro da língua portuguesa. Ele depende, é claro, de uma presença mais concreta no universo da tecnologia da informação.
Devemos ser capazes de oferecer mais e melhores programas na língua de Machado de Assis, além da serventia dos projetos, como o de alfabetização, que poderão alcançar nossos irmãos da África e da Ásia (Timor). Não se tem como justificar o silêncio condenável dos meios oficiais em relação às obrigações sobre essa matéria.
Enquanto isso, louvemos a lucidez com que, há 42 anos, o acadêmico Barbosa Lima Sobrinho escreveu o livro "A língua portuguesa e a unidade do Brasil". Segundo o presidente da ABI, "a unidade do Brasil se deve à sua língua". Podemos acrescentar, lembrando a educação ministrada pelos jesuítas em nossos dois primeiros séculos, que a língua juntou-se a religião, criando a simbiose vital para a manutenção da unidade nacional, o que, por motivos opostos, não se deu com os povos vizinhos de colonização espanhola. São fatos que merecem ser referidos, quando nos aproximamos da comemoração dos nossos primeiros 500 anos.
O Globo - Rio de Janeiro - RJ, 27/03/00