Vivemos cercados, literalmente, de mitos. Ou de realidade que se transformaram no que chamamos, apropriadamente ou não, de mitos. Desde que a palavra “imaginário” deixou de ser apenas adjetivo para se apresentar, dir-se-ia que definitivamente, também como substantivo, bibliografias muitas surgiram no setor, a começar por livros de Mircea Eliade, culminando com o ensaio de Gilbert Durand, “Les structures anthropologiques de l'imaginaire” (1960) e “L'histoire de l'imaginaire”, trabalho de Evelyne Patlagean incluído no volume “La nouvelle histoire” (1968).
Os arquétipos - inventados por Platão e desenvolvidos por Jung - entrariam na linha dos mitos e no âmbito do imaginário, e levariam o historiador francês a escrever: “No começo eram os arquétipos”. Recente seminário, realizado em Bucareste, Romênia, sob a direção de Augustin Buzura, membro da Academia Romena, sobre o imaginário, mereceria um relato mais circunstanciado aqui, mas o de que desejo de tratar é de um mito, o do fantasma.
Não só este, também os de Quasímodos, feras (“A bela e a fera”), associados à busca de novos, e falsos (ou nâo), arquétipos, têm integrado produções literárias famosas, de que “Nossa Senhora de Paris”, de Victor Hugo, e “Os fantasmas da Ópera” seriam bons exemplos (a eles poderiam ser acrescentados o Drácula de Bram Stocker e Frankenstein de Mary Shelley).
Notemos como figuras desse tipo costumam aparecer ligadas a castelos, palácios, igrejas, à arquitetura enfim. Quasímodo ficou para sempre unido ao templo medieval de Cité, o fantasma criado por Leroux - e mais tarde musicado por Andrew Lloyd Webber - tornou-se, no imaginário dos leitores, dono da catedral da ópera. Gaston Leroux (1868-1927) escreveria romances policiais, que obtinham sucesso, e, como jornalista, mandou para “Le Matin” histórias e reportagens do resto da Europa, da Ásia e da África. Já era famoso quando, de volta de suas viagens, em 1910, ouviu relatos de que havia um fantasma na Ópera de Paris, que o gênio do arquiteto Charles Garnier construíra de 1861 a 1875, com uma guerra e uma revolução de permeio. Gaston Leroux soube que, na Ópera, objetos desapareciam, estranhos barulhos se ouviam e uma figura de rosto vendado era de vez em quando vista à distância. Com base nisso, criou seu fantasma no livro que, lançado em 1911, obteve bom sucesso inicial.
Mais conhecido ficou ele ainda quando, nos anos 20, seu livro já um tanto esquecido, esteve com Carl Laemmle que em 1922, fora feito presidente da Universal Motion Pictures e tinha um problema: como utilizar o ator Lon Chaney, que acabara de ter grande êxito como o Quasímodo em “O corcunda de Notre Dame” e precisava de um novo grande papel, digno de seu talento. Gaston Leroux deu então a Laemmle um exemplar de seu livro.
Depois do primeiro “Fantasma da Ópera”, outros atores viveram o personagem: Claude Rains em 1943, Herbert Lom na produção inglesa de 1962, Maximiliam Schell em 1983 (em filme para TV), além de uma versão “rock” de Brian de Palma em 1974, até que Andrew Lloyd Webber criou o musical de maior êxito em todos os tempos. Pois não é que, nos últimos meses, um novo fantasma passou a circular entre os apreciadores do gênero? É o romance “The phantom of Manhattan”, de Frederick Forsyth, que está sendo apresentado, pela propaganda, como “a continuação do clássico imortal” de Gaston Leroux. Forsyth tem nome garantido em listas de sucessos, havendo ocupado relações de “best- sellers” com todos os seus livros, principalmente “The day of the jackal” e “The negociator”. No romance de agora, o fantasma de Gaston Leroux não morreu. Foge para os Estados Unidos, com máscara e tudo, e inicia, em Manhattan, uma carreira de homem de negócios, especialista em bolsas de valores e com um intermediário que o substitui no encaminhamento de negócios. Resultado: o fantasma fica bilionário, compra e monta uma ópera em Manhattan e faz tudo para que sua antiga apaixonada vá cantar em Nova York.
Dificilmente conseguem as continuações igualar-se às histórias originais. O que funcionou, e bem, até hoje, não foi uma história continuada, mas, sim, antecipada. A grande romancista do Caribe, de cultura europeizada, Jean Rhys, não concordou com o tratamento dado por Charlotte Bronté a uma personagem caribenha em “Jane Eyre” e resolveu escrever um roamnce em que a infância e a juventude da mesma personagem aparecessem como base do que mais tarde ocorreria no romance de Charlotte. Título: “Sargasso sea”, um dos bons romances ingleses do nosso tempo.
No caso de Frederick Forsith, “The phantom of Manhattan” fica bastante aquém do livro de Leroux, e o motivo dessa diferença está em que o estilo narrativo do francês é bem mais “naif”, como convém ao tipo de narração do tema. Em Forsyth, a história assume tom policial moderno, o que é natural, sendo Forsyth escritor do ramo, e dos bons, mas com isso o livro se torna sério demais, de uma seriedade que não combina com o tom imaginário (como adjetivo) que o mito exige. Vale a pena que se ressalte a força do mito do fantasma, especialmente o do amor de fantasmas e feras pela beleza da mulher, tal como em “A bela e a fera” e em “O fantasma da ópera”, não do mito como coisa longínqua, mas do mito como inarredável componente do imaginário de cada um.
“The phantom of Manhattan”, de Frederick Forsyth, é um lançamento da Bantam Press, de Nova York e Londres. Capa e ilustrações da Photonica.
Tribuna da Imprensa - Rio de Janeiro - RJ, 21/06/2000