Integridade e coerência sintetizam o longo e profícuo percurso existencial do acadêmico e jornalista Barbosa Lima Sobrinho. O País inteiro lhe pranteia a ausência, porque sabe que os pais da pátria, como ele, lastreiam a nacionalidade e lhe asseguram a perpetuidade pela palavra e pela ação. Ao longo do tempo histórico, registra-se a presença de uns tantos homens que emergiram do anonimato e deram o seu grande recado, mercê de toda uma vida devotada à causa nacional.
Desde cedo, a biografia do grande ausente sinalizou para a unção cívica que lhe haveria de marcar o itinerário. Sua presença vigorosa se explicitou em milhares de artigos, dezenas de livros, e decisiva participação política. Percorreu os caminhos das letras, do direito, da economia, da história, com vitalidade e coragem ímpares. E assim inseriu o seu nome na galeria dos numes tutelares do País, que ele amou até o fim, com permanente ardor e exemplar devoção.
Seus primeiros estudos tiveram como palco o seu Recife natal e o Rio de Janeiro. Mas a capital pernambucana predominou em sua formação básica e universitária. Nascido em 1897, seis meses antes da fundação desta Academia, Barbosa Lima Sobrinho haveria de graduar-se em Ciências Jurídicas e Sociais em 1917, e, dois anos depois, principiou sua bela e inédita carreira jornalística, que o consagrou como um dos maiores articulistas da história do jornalismo contemporâneo. Sorveu nas redações dos jornais o fluxo histórico, que soube vislumbrar nas franjas dos fatos que, com rara acuidade, soube interpretar.
Desde 1921, iniciou sua trajetória no Jornal do Brasil, brindando o País com a maior performance periodística já registrada nos anais da atualidade. A Associação Brasileira de Imprensa, que se incorpora com toda a justiça a esta despedida do maior de seus membros, guindou-o à sua presidência em 1926, para vê-lo retornar ao posto em 1978, cargo que vinha ocupando com fidelidade exemplar até quando as forças o permitiram.
A vida pública irá adiante recolher o novo perfil do político sagaz e tenazmente afirmativo. Deputado federal pelo Estado de Pernambuco, viu-se compelido a abandonar a tribuna, como decorrência da implantação do Estado Novo. Mas volveu à Câmara dos Deputados, para integrar com brilho a Assembléia Constituinte de 1946. E governou o seu Estado, com a mesma e nunca desmedida competência e probidade.
Sua atuação modelar teve seqüência e especial relevo, quando se apresentou como candidato à vice-presidência da república, na chapa encabeçada pelo ínclito Ulisses Guimarães, em 1973. Nuvens cinzentas cobriam os céus do país e, qual novo Diógenes, Barbosa Lima acendeu sua lanterna para se encontrar com a nação num momento em que ele lhe simbolizou a grandeza ante os então donos absolutos do poder. Jamais os temeu e seu exemplo haverá inspirado muitos outros patrícios a prosseguir na caminhada em busca da recuperação das liberdades perdidas. Para culminar o seu heroísmo político, apôs a sua assinatura na petição que iria deflagar o processo de impeachement do ex-presidente Collor.
Cuido que Barbosa Lima Sobrinho encarnou as atitudes éticas fundamentais que ornam as figuras inspiradoras da família humana. Em primeiro lugar, o respeito por ele nunca desmentido à liberdade em todas as suas formas de apresentação. A fé , que por fim lhe abriu a alma para o supremo diálogo, vicejou nele como em terra nativa, numa dimensão cívica, para abrigar, no ocaso dos dias, o patamar religioso. E, no particular, ressalte-se a sua fidelidade aos compromissos e aos valores em que se fundava a sua vida. Nunca deles se apartou, nada receando, e sim reiterando a axiologia por que pautou seu comportamento ético exponencial.
Daí promanou o seu agudo senso de responsabilidade entendido como categoria ética. E o étimo bem nos fala da resposta, que a tanto corresponde o significado da palavra responsabilidade. A vida é um apelo, um chamado, uma vocação que se nos apresenta à opção determinante do traçado existencial futuro. E há uma resposta que nos cumpre oferecer ao destino que nos espreita. Barbosa Lima sempre disse sim à vida, à pátria, às instituições que integrou, onde cumpre destacar a Academia Brasileira de Letras e a Associação Brasileira de Imprensa.
E que dizer de sua autenticidade? Sua figura porejava sinceridade e explicitou a densidade espiritual com que foi cinzelando o seu perfil ontológico.
Por fim, a bondade aderiu à sua pele, no dia-a-dia do convívio fraterno. Seu olhar revelou ser ele, no mundo visível, testemunho do invisível. E onde o comum dos mortais vive enredado na teia dos problemas, Barbosa Lima viveu permanentemente a radiosa atmosfera das soluções.
Cabe uma palavra derradeira sobre o seu amor à língua portuguesa, mola mestra da Casa de Machado de Assis. Neste sentido, forcejou por realçar o papel unificador da língua de preferência ao conformismo da acolhida aos falares desintegradores, ao sentenciar: “no dia em que se quebrasse a disciplina da língua escrita e da língua literária, para que prevalecessem os falares regionais, teria também desaparecido a unidade lingüística, que é um dos fundamentos de nossa unidade política e de nossa unidade nacional”. Falou o acadêmico emblemático, ex-presidente e várias vezes diretor da Academia, figura marcante da Casa, referência obrigatória dos imortais, desde 1937, quando foi eleito. Foram mais de sessenta anos de luminosa presença, que nos traçou o roteiro a seguir e ao qual saberemos manter-nos fiéis.
Espectador e protagonista do processo civilizatório em curso, Barbosa Lima foi o farol à entrada da barra a nos acenar com as suas luzes o caminho ajustado aos reclamos da gente brasileira ante as arremetidas de uma globalização ameaçadora dos alicerces nacionais. Sua ausência será dificilmente suprida de imediato, mas seu exemplo há de estimular outros patrícios a seguirem as suas pegadas, sempre indicativas da trilha mais consentânea com as aspirações do país por ele tão amado e tão profundamente compreendido.
Segue em paz, irmão primogênito, que nós não haveremos de lhe desmerecer a bela caminhada. E, agora, podemos nos despedir de Barbosa Lima Sobrinho com a certeza de que Deus possui sua alma.
* Como presidente da Academia Brasileira de Letras, coube-me proferir as palavras acima, momentos antes de nos encaminharmos para o Mausoléu da Academia, onde o ilustre brasileiro e decano da ABL foi sepultado. Participaram do ato cívico-religioso numerosos admiradores de Barbosa Lima Sobrinho, cabendo mencionar algumas autoridades, como o Dr. Marco Maciel, no exercício da Presidência da República, os Governadores Itamar Franco e Jarbas de Vasconcelos e os Prefeitos Roberto Magalhães e Luís Paulo Conde.
Jornal do Commercio (RJ) 19/7/2000