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A grande lambança

 

Volto a comentar o discurso presidencial da última sexta-feira. Além do plural majestático, que ontem destaquei, Lula falou em "arregaçar as mangas" e em "desdobrar esforços". Tudo bem, o povo entende o que é isso - já é alguma coisa. Mas pouca gente entendeu quando ele falou dos escândalos "dos quais nunca tive conhecimento". Na melhor das hipóteses, teria passado recibo de cegueira política e funcional.


Evidente que mentiu. Conhecimento ele teve, não se sabe em que grau, mas teve. Além dos numerosos testemunhos de pessoas que com ele falaram sobre as irregularidades nas entranhas do seu partido e do seu governo, todos sabemos que Lula é inteligente, não um inteligente bobo, mas um inteligente esperto.


No caso da aliança com o PL, por exemplo, um partido sem nenhuma afinidade ideológica e operacional com o PT, ele devia se perguntar por que diabos iriam juntos para a campanha eleitoral. Mesmo descartando como ressentidas ou mentirosas as revelações do ex-deputado Costa Neto, a história do suborno "makes sense", faz sentido.


A opulência do marketing que o cercou, os impressionantes recursos que pagaram a milionária -e até luxuosa - campanha que o levou ao poder não podiam sair da "militância" petista, que é boa de rua e comício, mas ruim de pecúnia. Em nenhum momento Lula teria estranhado os jatinhos, as comitivas, o espaço generoso nas TVs, a produção sofisticada dos programas? Ex-pobre, o presidente Lula deve conhecer aquele ditado de que o pobre desconfia quando vê muita esmola.


Continuo achando que Lula não é desonesto e muito menos ladrão. Mas não está de todo inocente na sucessão de escândalos que causa a sua indignação e, em grau mais elevado, a indignação de todos nós. É necessário, e urgente, que ele explique o que houve com o governo do qual é presidente e com o partido do qual é fundador. Deve também explicar-se.




Folha de São Paulo (São Paulo) 14/08/2005

Folha de São Paulo (São Paulo), 14/08/2005