No ano passado, comemorou-se o cinqüentenário do suicídio de Getúlio Vargas, o ainda maior drama da nossa vida pública.
Foi uma data redonda, que a mídia aprecia e respeita. Hoje, se não me falham os cálculos, são 51 anos da morte de um estadista que preferiu sair da vida para entrar na história, evitando ser tragado por aquilo que ele considerava um mar de lama.
Não consigo ser fiel a quase nada, mas gosto de ser fiel a datas e, invariavelmente, a cada 24 de agosto, falo em Vargas e lembro a tragédia de 1954, o raio que me sacudiu o corpo moço quando, naquela manhã, após a noite passada em claro, ouvindo o desenrolar da crise, e embora a quilômetros de distância do Catete, tive a certeza de que ouvi o tiro e senti o cheiro da pólvora que manchou o peito e a mão do maior político de nossa história.
Cinqüenta e um anos depois, atravessamos uma crise que está sendo considerada um mar de lama, com outros ingredientes, é certo, e esperamos que com outro desfecho.
Não tenho vocação para tragédias. Por gosto e temperamento, prefiro as comédias, sobretudo aquelas que Balzac enfeixou na sua monumental comédia humana. Mas, usando do processo analógico, que é tão válido quanto qualquer outro para pesquisar a história, verificamos que os dois momentos mais importantes de nossa vida republicana começaram com dois cadáveres: o de João Pessoa, numa confeitaria de Recife, que seria o pretexto final para a Revolução de 30, e o do major Rubem Vaz, na rua Tonelero, que 19 dias depois, provocaria outro cadáver, o de Getúlio Vargas.
Deus é testemunha de que não estou agourando sufoco igual para o Brasil, mas o mar de lama que agora cresce a cada dia, tragando cada vez mais gente, ainda não produziu nenhum cadáver - e queira o mesmo Deus que não produza. A lei de Murphy garante que uma coisa que pode não dar certo acaba não dando certo mesmo.
Folha de São Paulo (São Paulo) 24/08/2005