Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > A câmara mágica de Jean Manzon

A câmara mágica de Jean Manzon

 

Quando, em 1945, terminou a Segunda Grande Guerra, milhares de europeus, saturados das crises que viveram, deixaram seus países em busca de vida nova na América Latina. A Argentina recebeu muitos alemães, dentre eles antigos membros das SS e da Gestapo. Dentre os que escolheram o Brasil estava o francês Jean Manzon, um dos maiores fotógrafos do seu tempo, com enorme competência jornalística, adquirida, entre outros veículos, na revista Paris Match, de seu amigo Jean Prevost.


Conheci-o muito bem, pois trabalhamos nos Diários Associados. Estabeleceu-se entre nós uma grande amizade, que se prolongou até o fim de sua vida, quando fui levar-lhe o meu adeus na Igreja de N.S. do Brasil, onde estavam sendo velados os seus despojos, depois do acidente que o vitimou em Portugal.


Em seus últimos anos de vida ele já não era mais um fotógrafo jornalístico, pois dirigia sua empresa, na qual produziu campanhas memoráveis. Seus filmes publicitários eram exibidos nas telas dos cinemas e acabaram sendo aproveitados pelas televisões.


Logo que chegou ao Brasil, ele pediu um emprego a Assis Chateaubriand, que já o conhecera em freqüentes viagens à França e que viu, com seu formidável faro de grande jornalista e dono de uma cadeia de jornais e rádios, a competência de Manzon.


Os Diários editavam na época a revista O Cruzeiro, com uma tiragem relativamente pequena, mas que logo cresceria muito.


Manzon foi então contratado como repórter fotográfico para trabalhar com David Nasser, um ''turco'' inteligente e excelente repórter. Estava formada a dupla que iria revolucionar a imprensa brasileira. A tiragem da revista aumentava sempre, graças às suas reportagens sensacionais, entre as quais as do crime de Aída Cúri, do processo do tenente Bandeira, das flechas dos índios, do suicídio de Getúlio e tantas outras.


A câmera fotográfica de Manzon era a máquina que projetava os textos de David Nasser, numa documentação inédita e só comparável à da revista Life, sem paralelo em todo o mundo, mas que foi superada pela sua concorrente brasileira, impressa inicialmente em preto e branco, até ser colorida, anos depois.


Era uma dupla diabólica: Manzon, com sua câmera de mago, e Nasser, com sua máquina de escrever portátil, produziam reportagens inesquecíveis, tanto no Brasil como no exterior. Foi uma época de grandes êxitos, festejados sobretudo por nós, que éramos seus companheiros nos Diários.


Quando a dobradinha se separou, Manzon foi trabalhar por conta própria numa empresa de sucesso, que o transformou num homem relativamente rico, morador da famosa Gaiola de Ouro, da Rua Escócia, em São Paulo.


Sempre fomos amigos que muito se visitavam, na rememoração dos episódios vividos em sua agitada experiência de repórter fotográfico e dos êxitos alcançados por O Cruzeiro.


Estava residindo numa quinta, em Portugal, quando sofreu uma queda e teve um traumatismo craniano. Morreu ali mesmo.


Manzon era um típico franco-brasileiro, um grande profissional da imprensa e um extraordinário fotógrafo, que muito amou o Brasil. Sua câmera mágica deveria estar hoje num museu.




Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) 24/08/2005

Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), 24/08/2005