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Crise óbvia, desfecho novo?

 

O cenário das CPIs montou-se, logo, nos trinques para o espetáculo das oposições, toda mídia escancarada frente ao patíbulo, tangidos os depoentes, seus advogados, seus habeas corpus preventivos. A violência das inquirições punha fim ao jejum de poder, e a forra à chegada do Brasil de fundo ao Planalto. Desataram-se as injúrias, os rangeres de dentes e a irascibilidade solta dos acusadores, sob o álibi da cólera cívica. Um espectador escandinavo, se não um membro do Tribunal de Haia, cobraria esse respeito mínimo a um depoente desprotegido das presunções normais da inocência, de que lhe guarnecem o Judiciário, e seu respeito às provas e à interlocução, deixada ainda no umbral da suspeita.


Na exigência de aperfeiçoamento constante dos direitos humanos - em que hoje estamos ganhando tantos pontos internacionais -, um espetáculo como o da argüição de Delúbio Soares ou Renilda piora ainda essa imagem do Congresso, possuído pela raiva impune e pela ânsia da ribalta mediática. Mas, desta vez, até onde o espetáculo engole o script e dificilmente a Câmara poderá parar no desfecho de sempre? Ou seja, da clássica figuração da lavagem periódica da alma, com o sacrifício medido de culpados, a escaparem, via de regra, do último cutelo, apostando-se no esquecimento rápido como na promessa de contínua repetição do espetáculo saturado.


Ao que ora assistimos, pela fieira dos enovelados nas quebras de sigilo do "mensalão", não pára mais no limite do exorcismo, com que o Congresso limpa a testa ao se anunciar nova campanha eleitoral. Não é pelo tamanho do cheque que se criarão exclusões ou exceções ao saque continuado contra a confiança popular dos beneficiários do facilitário criado, por alguns pragmatistas do neo-sistema, como modernização. Pelos nomes em série já trazidos à nação, está-se diante de uma possível varredura do Congresso, em escalas que tornam muito difícil o aponte, apenas, de bodes expiatórios ou a escusa de que é sempre diminuta a banda podre de um colegiado do povo.


Merecemos, pelo estrago, o direito a uma virada de página nos usos, práticas, costumes, tolerâncias e "tudo-bens" do Congresso? Ou continuará a prática refinada, em outra racionalização, da dependência econômica e dos condicionamentos, que a eletrônica deixa sem volta com impressão digital sem volta, do mais persistente dos abusos do subdesenvolvimento político do País?


De toda forma, se se desmoraliza de vez a CPI - exorcismo, ainda vamos insistir na utopia da satisfação popular, buscada na proposta da lei que redimirá o opróbrio e nos deixará à vontade com a pureza da ética na política e do reino dos céus na coisa pública. Não se trata, apenas, de atentar a que os "caixas 2" sobreviverão sempre tanto quanto a bola aos policiais de trânsito, já que é só uma consciência cívica atuante que põe fim ao deslate, numa ação-cidadã e na punição eleitoral, de vez, da representação popular dos transgressores. Não se supera o mero moralismo político, hoje, por confiar num instrumento de reforma eleitoral para valer, de imediato. Não se passa, nesse rufar dos tambores mediáticos junto à opinião pública, ao remédio abstrato e longínquo da mudança da norma, diante do castigo concreto, que tem, desta vez, fileira incomodíssima, para o tamanho normal dos bancos de réus.


A se aferrar o PT do legítimo empenho da ampliação do estado de direito - que lhe deu respeito internacional -, vá a ações diretas da cidadania, para pôr de fato fim ao flagelo. Imponha a fiscalização popular das contas eleitorais, na forma dos ombudsmen políticos, das legislações escandinavas, mas, sobretudo, na instauração de vez do sistema do recall, já insinuado na Constituição-cidadã, no apoio do Dr. Ulysses. O tempo todo de um mandato eleitoral não se pode transformar em presunção de impunidade ou de um contrato que dê lucros e benefícios de imediato e por prazo certo a quem troca o voto pela pecúnia. Há que pô-lo à prova, em meio desse decurso, voltando de novo às urnas para confirmar ou não os mandatos, num procedimento sumário em que o eleitor confirme a sua satisfação com o desempenho em curso.


A honestidade real não tem por que temer, e a corrupção putativa nesses casos não tem tempo para prosperar. Os últimos ibopes aí estão, a mostrar o quanto o que está em causa, muito mais do que a desestabilização real de Lula na sua relação popular direta, é o imbróglio do partido, comido pelo situacionismo ainda amadorístico, exposto a tentações seculares e à confusão entre eficiência e visão do que a que veio exprimindo um "outro Brasil". Mas, esse, mesmo, hoje desfalcado do adesismo temporão da classe média, perdura no enlace com o seu homem no Planalto. O risco institucional, sim, não é o do impeachment, mas o da desmoralização decisiva do Congresso, se não der desfecho diferente ao óbvio das CPIs. Vamos à faxina? Ou a alegada "falta de provas" cassará, de vez, a confiabilidade no primeiro poder da República?




Jornal do Commercio (Rio de Janeiro) 26/08/2005

Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), 26/08/2005