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Impressões ingênuas

 

Manda a honestidade lhes dizer que esta crônica está sendo escrita com indecorosa antecedência. É porque vou passar uma semana fora e meu computador pequeno, acionado a manivela, deu para sofrer convulsões e acessos de asma, de maneira que não posso mais me fiar nele. Mas a Providência acode os desvalidos e, nos dias que correm, já não é tão temerário antecipar colunas. Não vai haver novidades, exceto algum (alegado) ladrão denunciado e mais negativas da parte dos acusados. De resto, imagino que o panorama continuará mais ou menos o mesmo e, no momento em que escrevo, acredito que o presidente Lula se encontra talvez em Acopiara, no Ceará, usando chapéu e gibão de couro, inaugurando uma cacimba participativa ainda sem água (mas amanhã vai ter), anunciando como o governo dele é o maior de todos, fura-bolos, cata-piolho, como está todo mundo empregado e, finalmente, fazendo com que as mais devotas gastem o dinheiro para a próxima feira em velas aos santos de sua devoção, para ele conseguir vencer a tal Elite, que deve ser um nome difícil para Satanás.


Aí só me resta dar umas opiniões. Cabe ressaltar, contudo, que são apenas opiniões, tão válidas quanto as de qualquer um, embora com a vantagem de serem espalhadas entre todos os que as lerem. Mas não só esses leitores poderão discordar e muitos certamente discordarão, como não tenho acesso a fontes especiais, não circulo, acho que não conheço pessoalmente ninguém no governo e, enfim, meus palpites são tão bons ou maus quanto os de qualquer um em situação social parecida. E, claro, o fato de se tratar de opiniões minhas não as torna melhores ou corretas. Mas dou algumas, a principal das quais não é nem original.


Faço como os programas de TV que, para garantir que a gente não desgruda deles, deixo essa para o fim, se bem que sempre se possa fazer um fast forward na leitura e lê-lo agora mesmo. Na minha respeitosíssima opinião, o presidente sabia desse negócio todo já há bastante tempo. Como, aliás, já escrevi, ele podia não saber dos pormenores, mas dos pormaiores sabia. Assim como, ainda em opinião cuja responsabilidade é exclusivamente minha, o dr. José Dirceu, que se acha tão sabido que acaba por ser bobo - todo mundo conhece esse tipo de sabido -, também tinha conhecimento de tudo, provavelmente com alguns pormenores também.


Na minha opinião e nos mesmos termos que explicitei acima, o presidente, que nunca trabalhou de fato em outra coisa que não a militância política, o sindicalismo, o palanque, a greve, a agitação, a invectiva, a crítica veemente ou mesmo insultuosa, a oposição desregrada, as promessas radicais e mirabolantes, confiou em que podia entregar o governo à sua patota liderada pelo dr. Dirceu e composta pelo conselheiro do imperador do Japão, o ex-dr. Gushiken e figuras outrora mais eminentes, além de outras de que nunca ouvimos falar, mas que mandavam na gente sem a gente saber. Ele ficaria com os discursos, as viagens e as solenidades. Só que não deu certo, até porque, sublinho novamente que na minha opinião, o dr. Dirceu queria (e ainda quer, eu tenho medo dele) era pegar ele o cetro, e não Lula. E porque havia vários bicudos que não se beijavam, apesar de até arrulharem em público.


Na minha opinião, outra vez nos mesmos termos (preciso arrumar um advogado, ou melhor advogados, porque esse pessoal só fala em “meus advogados”, raramente em “meu advogado”), todo mundo estranhou quanto o PT expulsou gente como a senadora Heloísa Helena e agora relutou tanto em aplicar sanções contra o dr. Delúbio, que ainda está lá. Claro que não tenho razão, mas, na minha opinião, é porque o dr. Delúbio, ao contrário da senadora que insistia na caturrice atrasada e burra de querer fazer o que disse que iria fazer se eleita, pode abrir o bocão ou esticar o dedo indicador, como já se fez muito em outras épocas. Tudo opinião de besta, mas que é que eu vou fazer, se eu e todo mundo com quem converso somos bestas e simplórios? É porque a gente fica assim querendo até consultar um médico, pois, segundo me pareceu, até o senador Mercadante (talvez hoje Mercad’antes) sabia de quanto o dr. Serra gastou em campanha, mas não sabia (o PT é o partido do só-sei-que-nada-sei, afirmação altamente filosófica, e ainda vêm falar em elite) o que ele próprio gastou, nem dantes nem agora.


Finalmente, na minha opinião, a tal principal que reservei para o fim, o Homem pirou. Quer dizer, não entrou em surto, não atira pedra em santo, mas pirou. E, como admiti, não estou sendo original absolutamente. Muita gente do ramo da cuca e do juízo se manifestou, dizendo a mesma coisa. Ele não só gosta de falar, como quem se vinga, de como chegou à Presidência sem estudar (porque não quis, mas a isso ele não alude), como volta e meia fala na senhora sua mãe analfabeta. Chega a dar a impressão de que o segredo do sucesso é não estudar e ter uma mãe analfabeta, deve ser por isso que eu não dei certo. É dos poucos “neste país” que podem pôr a cabeça no travesseiro e dormir. Ainda está para nascer quem dê aulas da ética a ele, neste país. Nunca houve presidente mais realizador neste país. E, na vida pessoal, não tem pecados. Ainda na minha sempre modestíssima e exclusiva opinião, falta pouco para ele pedir ao Papa que não o trate mais por “São Lula”. Bem, quem disse não fui eu, foram especialistas: ele, em maior ou menor grau, pirou. Mas, como não governa, o fato carece de importância, por não acarretar conseqüência de monta. Uma das especialistas disse que ele está sendo vítima de “estupor traumático”. Quanto mais se vive, mais se aprende. Agora entendi por que tantos nordestinos se referem a ele, carinhosamente, como “aquele estuporado”.


 


O Globo (Rio de Janeiro) 28/08/2005

O Globo (Rio de Janeiro), 28/08/2005