Não é mole ser da esquerda -daí que sempre a evitei, como evitei ser da direita ou do centro. Atualmente, ninguém é mais da direita, ela parece uma ficção que só serve para desculpar os erros da esquerda e o oportunismo tático do centro.
Mas vamos lá. As crises da esquerda, no mundo e no Brasil, são sempre dramáticas e fazem vítimas, muitas das quais não se recuperam. Nos anos 30, dias antes da Segunda Guerra Mundial, houve o pacto entre Hitler e Stálin que deixou os esquerdistas desorientados e, pior do que desorientados, obrigados a engolir um dos maiores sapos da História.
Mais tarde, nos anos 50, com o relatório Kruchev no 20º Congresso do Partido Comunista da União Soviética, foram revelados os crimes do Guia Genial dos Povos, houve choro e ranger de dentes não apenas dos comunistas mas de toda a esquerda mundial.
Não passou muito tempo e veio a revelação de que o regime de esquerda, tido como padrão para os povos oprimidos, além de ter praticado os crimes da era estalinista, havia sido um blefe na política econômica e social. O que a polícia e as forças da direita não conseguiram, a queda do Muro de Berlim conseguiu, acabando com o comunismo em seu modelo soviético, que no Brasil era o bem supremo a ser adotado e contra o qual somente os lacaios do imperialismo podiam se insurgir.
Ficou difícil encontrar um comunista por nossas bandas, com exceção (aliás honrosa e comovente) do Oscar Niemeyer, que é homem de caráter e coragem. Os demais fizeram revisões, mas continuaram na esquerda, principalmente no PT, que absorveu órfãos e viúvas de vários tamanhos e feitios.
E vieram os mensalões e os caixas 2, o silêncio dos intelectuais ativos e eméritos da USP e de outras universidades, os fiéis da Teologia da Libertação, o povo eleito que acreditava ter chegado lá. Com o know-how adquirido em tantas crises, o sonho continuará possível, mas cada vez mais difícil.
Folha de São Paulo (São Paulo) 28/08/2005