Pouco sabemos da influência de Carlos Drummond de Andrade sobre a poesia latino-americana como um todo. Essa influência tornou-se mais visível a partir de 1956, quando a poesia de Drummond começou a estar presente em quase todos os jovens poetas da Argentina, do Chile, do Peru, do México, revertendo-se a situação anterior em que os brasileiros imitavam Neruda, Borges e outros poetas do continente.
Não houve, a bem dizer, um só estreante de futuro na América Latina de então, de livros lançados nesses países, que não houvesse recebido a marca de Drummond e não mostrasse, na poesia, algo do estilo do poeta brasileiro.
A tradução de seus poemas para o espanhol, feita por Manuel Graña Etcheverry, ajudou muito na divulgação da obra drummondiana, embora a presença de livros no original brasileiro tivesse começado a ser também ponderável nesses países.
Tenho diante dos olhos a primeira edição, de 1930, de "Alguma poesia", livro com que Drummond se atirava à conquista de uma nova linguagem poética. Veja-se o ano: era quando o Brasil completava um ciclo revolucionário que tivera início no começo dos anos 20, marcado pela Semana de Arte Moderna e por revoluções contra o poder central que assinalavam um tempo de mudança, logo acentuado pela marcha da Coluna Prestes através do Brasil.
Naquele tempo, pouco antes de se mudar para o Rio de Janeiro, onde seria auxiliar direto de um dos ministros mais inovadores do governo, Gustavo Capanema, Carlos Drummond mudava de meio-ambiente para se fixar na paisagem carioca e ser uma pessoa inteiramente integrada no espírito da cidade, a partir de então presnte na filosofia de seus poemas, de suas crônicas e de tudo o que escreveu.
Durante todo esse período de tomada de contato com a palavra e o ritmo, com a emoção de escrever e o sentimento do mundo, chegou Drummond a uma espessura de criação poética (esperada para os que o seguiam desde o "Poema de sete faces") e ganhou condições de influir nos caminhos de seu tempo. Por sua causa, tornou-se o Brasil mais rico e mais livre. Foi, entre nós, dos poucos a dizer, sempre e cada instante, que o rei estava nu.
Impermeável a desconversas e a falsos deuses, sua poesia atinge reta o osso das coisas. Nem poder, nem dinheiro, nem fama, nada o abalou. Duro como aço de sua terra, era também manso como um poeta para crianças. Sua posição na poesia de nosso tempo o coloca ao lado de Pound e Elliot, de Ponge e Perse, de Cafaty e Pasternak, de Seferis e Lundkvist, de Ungaretti e Lorca, de Pessoa e Stevens. Pois aí é que ele se encontra, essa é a sua companhia. Há muito não era ele mais somente um poeta brasileiro.
Sendo brasileiro por excelência, passara a representar a ousadia humana em roubar o fogo dos deuses e com ele tentar - e conseguir - aclarar muitos dos mistérios da presença do homem sobre a terra. Em sua corrida atrás do ser e da "res poética" pertence ele hoje à poesia de todos os povos. Sendo muito nosso, ergueu uma poesia que vai muito além de nós. Por isto, continua vivo, aqui e além. Pois a verdade é que, através da poesia de Carlos Drummond, atingiu o homem brasileiro um momento de pura eternidade.
Nasceu a 31 de agosto de 1902 e estamos agora comemorando o centenário de seu nascimento. Haverá comemorações à data em todo o Brasil, a começar pelo toque dos sinos das igrejas de Minas Gerais, durante dez minutos, na manhã de 31 de agosto, e haverá centenas de atos culturais nas 23 bibliotecas populares do Rio de Janeiro. Em volumes personalizados, está a Editora Record colocando em todas as livrarias do país o obra completa de Carlos Drummond de Andrade.
Poesias
"Alguma poesia" - 1930;
"Brejo das almas" - 1934;
"Sentimento do mundo" - 1940;
"José" - 1942;
"A rosa do povo" - 1945;
"Novos poemas" - 1948;
"A mesa" - 1951;
"Claro enigma" - 1951;
"Viola de bolso" - 1952 (2ª edição, "Viola de bolso novamente encordoada" - 1955);
"Fazendeiro do ar" - 1954;
"Soneto da buquinagem" - 1955;
"Ciclo" - 1957;
"A vida passada a limpo" - 1955;
"Lição de coisas" - 1962;
"Viola de bolso II" - 1964;
"Versiprosa" - 1967 (crônicas em verso);
"José & outros" -1967;
"Boitempo & A falta que ama" - 1968;
"Nudez" - 1968; "Reunião" - 1969;
"As impurezas do branco" -1973;
"Menino antigo (Boitempo II)" - 1973;
"A visita" - 1977 (com fotos de Maureen Bisilliat);
"Discurso de primavera e algumas sombras" - 1977;
"O marginal Clorindo Gato" - 1978;
"Esquecer para lembrar (Boitempo III)" - 1979;
"A paixão medida" - 1980 (com desenhos de Emeric Marcier, edição de 643 exemplares para bibliófilos);
"Nova reunião" - 1983;
"Corpo" - 1984;
"Amar se aprende amando" - 1985;
"Poesia errante" - 1988;
"O amor natural" - 1992.
Antologias poéticas
"50 poemas escolhidos pelo autor" - 1956;
"Antologia poética" - 1962;
"Antologia poética" - 1965 (seleção e prefácio de Massaud Moisés);
"Seleta em prosa e verso" - 1971 (textos escolhidos pelo autor, com notas do professor Gilberto Mendonça Teles);
"Amor, amores" - 1975 (com desenhos de Carlos Leão);
"Carmina drummondiana" - 1982 (tradução para o latim de Silva Bélkior);
"Boitempo I e Boitempo II" - 1987.
Infantis
"O elefante" - 1983 (Coleção Abre-te, Sésamo);
"História de dois amores" - 1985.
Edições de poesia reunida
"Poesias" - 1942;
"Poesia até agora" - 1948;
"Fazendeiro do ar" & "Poesia até agora" - 1954;
"Poemas" - 1959;
"Reunião" - 1969 (introdução de Antônio Houaiss);
"Nova reunião" - 1983.
Tribuna da Imprensa (Rio de Janeiro - RJ) em 29/05/2002