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Ainda há um jeito de viver

 

Antigamente até que se achava bonita a palavra megalópole e todas as suas implicações. Hoje é o grande vilão do mundo moderno. O que foi a Londres imperial, a gigantesca Nova York, poderosa expressão de uma grandeza emergente, tornou-se agora sinônimo de conflito e retrocesso. As megalópoles - tais como as cidades do México, São Paulo, Pequim, Calcutá, são sintomas, não de força e riqueza de um país, mas de miséria e injustiça social. Pois que todas essas grandes metrópoles, passando algumas dos doze milhões de habitantes ou chegando perigosamente aos vinte milhões, representam uma maioria que é vítima da miséria torçal, do desemprego, do subemprego e mais gradações da extrema pobreza.


No Rio de Janeiro de antigamente, a favela era uma referência lírica, inspiradora dos sambas como o imortal Chão de Estrelas: "A lua, penetrando o nosso zinco / semeava de estrelas o nosso chão... / Tu pisavas nos astros distraída / sem saber que a ventura nesta vida / é a cabrocha, o luar, o violão..." Mas isso já se foi no tempo. Hoje, favela não é mais símbolo de pobreza descuidosa e lírica; cada favela é miniatura da Chicago dos anos 20, enclave fora da lei, dominada pelas quadrilhas da droga, do assalto e do seqüestro, onde a população submissa, vítima do medo, é forçada a cumprir a lei da Omertá - o silêncio imposto pela camorra dos chefões. Aos quais se acumplicia a polícia conivente, ou temerosa também. Afinal, polícia não é super-herói, é gente de carne que nem nós, tem medo de metralhadora e é susceptível às tentações do dinheiro. Às vezes nem precisa fazer nada - basta só fechar os olhos.


E o que são as favelas brasileiras são os sombrios e imundos slums de Nova York, os bairros "de cor" de Londres. Tempos atrás vi uma bidonville em Paris: barracas de lata, sem nem ao menos a luz e os ares que os morros garantem às nossas favelas. E crianças amarelas e magras, mulheres de olhar ressentido - pareceu-me tudo bem pior do que aqui. Hoje, a França está tão arrogantemente rica que se proclama não haver mais pobres por lá. Será mesmo? Então, o que fizeram daqueles milhões de megrebinos que vão chegando em massa através do Mediterrâneo?


Mas eu não queria falar em política colonial, mas nas cidades brasileiras. E por tudo que tenho visto, sinto que ainda existe, espalhado em quase todos os nossos estados, um tipo de cidade ideal para se morar. Cidades de porte médio, entre os 300 e os 500 mil habitantes. Com todos os confortos da moderna civilização e até mesmo os requintes: as maravilhas da informática, TV a cabo, telefone celular etc. etc.


Numa cidade assim a gente conhece todo mundo e todo mundo nos conhece; pode-se estacionar o carro em qualquer lugar, não se vive naquela paranóia de roubo; talvez roubem lá também, mas deve ser em proporção tolerável. As crianças vão em bandos para a escola, sem seguranças. As grades ainda não são um imperativo da sobrevivência.


Tenho a impressão de que no futuro as grandes cidades de muitos milhões de habitantes, onde já não vale a pena nem ser rico, serão banidas dos mapas ou reduzidas ao seu núcleo mínimo, o resto derrubado, substituído por pomares e jardins. Esses ecologistas podem às vezes ser impertinentes, mas nos alertam para a impossibilidade de se viver aos montões, se entredevorando uns aos outros. Lembrou-me um deles o exemplo das abelhas: quando uma colmeia chega a um grau perigoso de superpopulação, as fontes de alimento escasseando, elas começam a emigrar, os enxames espessos criando colônias novas em outras áreas, aliviando a colméia-mãe.


Os homens têm que começar a imitar as abelhas.


 


Correio Braziliense (Brasília - DF) em 24/06/2002

Correio Braziliense (Brasília - DF) em, 24/06/2002