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As raízes da escravidao

 

Não é mais possível que se entenda e avalie a realidade da escravidão africana no mundo e no Brasil sem o extraordinário levantamento feito por Alberto da Costa e Silva no seu livro de mais de mil páginas, "A manilha e o libambo: a África e a escravidão, de 1500 a 1700". Antes havia ele estudado, em "A enxada e a lança", a mesma África no período que foi até a chegada dos portugueses ao continente negro.


Agora, a partir exatamente do ano em que os portugueses chegaram ao Brasil, onde iriam estabelecer uma sociedade baseada na escravidão do negro africano, narra Alberto da Costa e Silva a história da escravidão do homem pelo homem, num período em que muitas idéias igualitárias começavam a se formar no pensamento ocidental.


O título do livro usa dois símbolos: a "manilha" e o "libambo". Em livro recente, mostrou Paulo Mercadante os símbolos portugueses que predominaram na formação do Brasil: como o Templo, o Castelo, o Padrão, a Espada, o Estandarte, a Procissão, a Mulher, o Cavalo, o Pergaminho inspirado no papiro (e acrescido do Livro, a Constituição, o Diploma).


Contrastando a pujança de uma economia com a mácula da escravidão - na história da África, a "manilha" vinha a ser a braçadeira ou tornozeleira, de cobre ou ferro, de ouro ou prata, que se usava como enfeita e moeda; o "libambo" era uma corrente atada ao pescoço dos negros cativos.


Por que se fixou a escravidão - que existira também na Grécia, em Roma e em várias partes do mundo - sim, por que se transformou ela mais tarde num fenômeno africano, num ato racial, de perseguição a uma parte menos letrada de um Continente?


Na luta pelo comércio transatlântico, embora tivessem os portugueses assumido a dianteira, castelhanos e franceses também lá estavam e eram combatidos pelos portugueses. A presença de Villegagnon no Rio de Janeiro vinha dessa luta européia pelo domínio das novas terras, e a escravidão tinha aí um papel importante.


O livro de Alberto da Costa e Silva entra em detalhes da história da escravidão, com minúcias dos diversos reinos e estados que se combatiam pelo domínio da terra e de seus produtos. Alianças com este ou aquele rei ou chefe levavam as potências (chamemo-las assim) européias a guerras infindas, em terras da África, de resultados indecisos, mas de qualquer jeito não favoráveis a quase nenhum dos lados em combate.


Situado em frente a esse campo de batalha africano, o Brasil de lá recebia escravos e com eles tentava criar um país neste lado do Atlântico. Tudo o que teria acontecido no lado de lá podia ter efeitos no de cá, e, se nos tempos da Independência do Brasil e de nosso Primeiro Império pareceu haver uma paz racial no País, tudo não podia passar de ilusão.


As dificuldades dos portugueses - ou já brasileiros - em suas relações com os escravos africanos, vinham de raízes antigas: a marca do escravo era forte e determinava mortes e tragédias. Parte importante do livro - "importante" por causa da influência da velha Benin e de Warri em Portugal - é a que descreve a viagem de João Afonso de Aveiro quando encontrou, na cidade de Benin, uma avenida longuíssima, sete ou oito vezes mais larga do que a Warmoes de Amsterdam. Benin comprava e vendia uma grande variedade de produtos, próprios e vindos de outras partes.


O livro de Alberto da Costa e Silva, sendo inteiramente dedicado à África e à escravidão negra, insere-se também na história do Brasil. Os holandeses que se estabeleceram em nosso Nordeste tomaram igualmente Angola. Em agosto de 1641 tropas de Holanda ocuparam Luanda. A história da rainha Jinga aparece, no livro, com seus contornos naturais, isto é, sem fantasias e romances.


O cuidado e os fundamentos do trabalho de Alberto podem ser compreendidos com a informação de que o livro propriamente dito acaba na página 877 e, daí à página 1081, existem somente notas, bibliografias e mapas. A origem dos africanos que deixaram sua descendência no Brasil aparece com clareza nas descrições e nas pesquisas de "A manilha e o libambo".


Sendo o Atlântico o grande rio que servia a luso-brasileiros e aos africanos, ali se notavam movimentos de todos os tipos, mas também o Índico, principalmente a Moçambique, em sua incessante busca de produtos, minerais e gente, era agitado palco de atividades portuguesas.


Dir-se-ia que se pode comparar "A manilha e o libambo" à linha descritiva, histórica e analítica de um Gilberto Freire, indo a uma região que não é exclusivamente brasileira, mas que nos situa e nos mostra com base numa impressionante massa de informações que servirão na certa para novas pesquisas, não de um só pesquisador, mas de equipes de especialistas em várias matérias, desejosos de compreender e explicar as ligações entre a África e o resto do mundo, especialmente o Brasil, num dado período.


"A manilha e o libambo" é um lançamento conjunto da Editora Nova Fronteira e da Fundação Biblioteca Nacional. Capa de Paulo Schmidt, sobre capa de escudo azande, do Congo.


 


Tribuna da Imprensa (Rio de Janeiro - RJ) em 03/07/2002

Tribuna da Imprensa (Rio de Janeiro - RJ) em, 03/07/2002