Como diria Machado de Assis, "no meu tempo já havia velhos, mas poucos". Os evangelhos usaram outra forma. Mais antigos do que Machado, eles não falam "no meu tempo", mas "naquele tempo". Naquele tempo, disse Jesus, naquele tempo um homem vinha de Samaria, naquele tempo, o rei Heródes mandou degolar as criancinhas.
Não tendo a autoridade de Machado de Assis nem a antiguidade dos evangelhos, volta e meia também falo "no meu tempo", querendo lembrar uma patifaria cometida nos bambuais da infância, a leprosa com um lenço na boca que pedia esmolas, os bondes da Light, as barcas da Cantareira, os realejos com o papagaio que tirava sorte, as escarradeiras nas salas de visita - por que havia visitas e visitas que escarravam na casa da gente?
Tudo isso, afinal, é poeira moída pelo tempo, o mesmo tempo de Machado, dos evangelhos e pelo meu próprio tempo. Quando o presidente de Portugal, general Craveiro Lopes, veio ao Brasil e a convite de JK foi visitar Brasília, ainda em obras, criou um caso diplomático por causa do tempo dele.
Hospedado no Palácio, o general recolheu-se a seus aposentos mas logo chamou JK pelo telefone. Não podia dormir sem um penico embaixo da cama. JK convocou o coronel Affonso Heliodoro, que lhe quebrava todos os galhos. Precisava de um penico e o penico mais próximo estava em Anápolis.
O que fazer?
O general era realmente do tempo dele. Declarou que sem aquele utensílio tradicional não poderia dormir. Esperaria pelas providências tomadas pelo governo brasileiro naquela emergência.
O coronel Affonso descolou um jatinho, voou até Anápolis, conseguiu um penico, de louça nobre, com florões azulados. Tudo terminou bem. Tão bem que o general concedeu ao coronel Affonso a comenda da Ordem de Cristo.
Jornal do Commercio (Rio de Janeiro - RJ) em 14/07/2002