Depois da roda e da pólvora, a maior descoberta do gênio humano deve ser creditada à mídia do nosso tempo. Não chega a ser um supositório como queria o romancista Campos de Carvalho, mas coisa parecida: o adjetivo "suposto". Serve para livrar a cara de qualquer comunicador de rádio, TV ou jornal. Ele se obriga a comunicar o que julga ser necessário, mas tira o corpo fora, apelando não para o supositório, mas para o suposto, tornando a comunicação uma suposição.
Detalhes mais simples, como a queda de um armário na casa do deputado Roberto Jefferson, transformam-se numa suposição com receio de possível desmentido ou processo penal. Ao mesmo tempo, o adjetivo "suposto" absolve a mídia da acusação que lhe é feita: a de crucificar supostos inocentes ou supostos criminosos até que a Justiça, em instância final, dê uma sentença que geralmente é a soma de várias suposições.
No limite, teremos a previsão do tempo comunicada com a possibilidade de estar errada e aí teremos a suposição de chuvas e trovoadas para o dia seguinte, supondo que haja um dia seguinte, pois nada é certo neste mundo -e Machado de Assis garantia que "tudo é possível", o que era uma afirmação, não uma suposição.
Outros tempos, sem dúvida, os de Machado. Curiosamente, ele criou uma suposição que até hoje é discutida nos meios acadêmicos: Capitu traiu ou não traiu o marido? Em momento algum ele falou em suposto adultério, deixando a suposição para a posteridade. Mestre é para essas coisas.
O mais engraçado é que o uso do "suposto" tem o mesmo efeito devastador da coisa afirmada. Se eu acusar o Roberto Jefferson de saber onde estão os ossos de Dana de Teffé, posso ser processado. Se comunicar à plebe que ele supostamente sabe onde estão os supostos ossos de Dana de Teffé, estarei comprometendo de igual forma o deputado e os ossos, que -estes sim- são uma suposição.
Folha de São Paulo (São Paulo) 04/07/2005