Nos tempos que correm, todos se dizem democratas, da boca para fora todos clamam pela ética. Nunca uma sociedade foi tão ética e perfeita como a nossa. Tão perfeita que fica indignada quando estoura um escândalo envolvendo o Congresso e um dos partidos políticos, justamente o que mais encheu a boca com a ética.
Longe de mim defender o PT ou qualquer outro partido. Desde que me entendo como gente, sempre deixei de votar, não sou da direita, da esquerda e muito menos do centro, que sempre me pareceu oportunista. Mas reconheço a necessidade deles e, sobretudo, a necessidade do Congresso, não um Congresso perfeito, integrado por anjos de asas imaculadas, protegendo todos nós.
O "mensalão" faz parte de uma estrutura operacional aceita pela sociedade em geral -esta é a verdade. Não foi à toa que certo líder operário proclamou, faz tempo, que, na Câmara dos Deputados, havia uns 300 salafrários e corruptos (a expressão não foi essa, mas equivalente; e o líder operário é hoje presidente da República e beneficiou-se, direta ou indiretamente, com o produto final do "mensalão", ou seja, a aprovação dos atos de seu governo).
Não houvesse Congresso, o debate que causou tamanho impacto seria onde: nas ruas, nos botequins, nos quartéis? Evidente que se discute o escândalo em todos os lugares, principalmente na mídia, mas o debate que conta é mesmo no Congresso. Mais do que nunca, ele é o microcosmo da sociedade da qual fazemos parte. E é salutar que ele assim nos apresente, com seus corruptos e vestais, suas manhas e artimanhas.
Confúcio dizia que, pior do que ter mau hálito, é não ter hálito algum. Só mortos conseguem isso. Em certa medida, e com as necessárias exceções, o Congresso está exalando mau hálito. Um hálito que não é só dele. É de toda uma sociedade, feita de homens de barro que facilmente se transformam em homens de lama.
Folha de São Paulo (São Paulo) 10/07/2005