Em século passado, quando eu era menino, ficava espantado nas aulas de catecismo. Não me interessava a leitura, mas as gravuras. E todos os homens ali eram barbudos. Nem Deus-Padre escapava. Era um barbudo como os outros, no centro de um triângulo luminoso, que, mais tarde, virou caixinha de fósforo da marca "Fiat lux!"
Por que todos eles eram barbudos? Durante os anos de minha infância, também havia barbudos, mas poucos. Tão poucos que qualquer um deles arrastava o apelido de "barbudo". Era ao mesmo tempo uma referência, um sinal que os distinguia dos demais, como o ceguinho, o coxo, o maneta, tudo politicamente incorreto pelos padrões atuais.
Bem mais tarde, durante a onda hippie da paz, do amor, da contestação da sociedade opressora, machista, consumista e hipócrita, alguns jovens também usaram barba. Não sei por que, era uma forma de agredir os valores de um tal "status quo" que eu nunca entendi direito, pois tudo no mundo sempre foi um sucessivo, um monótono "status quo".
Até que vieram os tempos de redenção com o PT e suas barbas, que davam a seus adeptos a aparência de figurantes de uma via-sacra, personagens saídos do catecismo de minha infância. A cara raspada de Collor e a barba então espessa de Lula eram emblemas de dois universos, de duas visões de mundo.
Mundo que girou enquanto a Lusitana rodou. Lula e outros barbudos chegaram ao poder. Estão agora mais ou menos encalacrados. É raro o dia em que os jornais não estampam um barbudo que entrou em fria. Não botaram as barbas de molho ou a culpa foi do molho que botaram nas respectivas barbas?
Nada contra as barbas. Pelo contrário: quem jogou molho em cima delas foi um publicitário sem barba e sem cabelo, um careca integral, radical, que parece habitante de um desses planetas dos filmes de ficção científica. Daí que ter ou não ter barba nada prova, nem contra nem a favor. O que prova realmente alguma coisa é o molho.
Folha de São Paulo (São Paulo) 13/07/2005