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Genealogia do pires

 

Depois da tentativa do governo FHC de impor à nação um pensamento único, tendo como núcleo o neoliberalismo e a globalização, temos agora não um pensamento, mas um assunto único: a corrupção, em suas diversas manifestações, mas todas centradas num único eixo, que é o do financiamento das campanhas eleitorais.


E estamos há menos de um ano da próxima, que deverá estourar concretamente nos primeiros meses do ano que vem, embora ela já se processe desde que Lula assumiu o poder, com a esperança, dele e do PT, de repetir a dose, com uma reeleição que estava pautando todas as ações do governo, da economia e da política nacional.


É evidente que é direito de Lula e de um partido tentar permanecer lá em cima o maior tempo que puder. Não haveria trauma algum nessa pretensão, desde que as campanhas eleitorais tivessem outro rito e, sobretudo, outro custo.


No passado mais remoto, as campanhas não exigiam muito dinheiro, mas alguma força. Na República Velha, defuntos votavam, era um escândalo, havia alguns pega-pra-capar, mas custavam pouco. Meia dúzia de capangas a preço vil convenciam eleitores e davam sumiço nos livros das atas.


Na redemocratização, após o Estado Novo, havia um tsunami de faixas estendidas nas ruas, que adquiriam a aparência de um "casbash" oriental. E os comícios, que custavam pouco também, o palanque, os alto-falantes, os caminhões que transportavam a plebe, os foguetes que eram soltados antes, durante e no fim dos trabalhos.


Em tempos de comunicação tecnológica, tudo mudou. Segundo o Roberto Jefferson, um deputado custa R$ 2 milhões; um senador, R$ 3 milhões. Onde arranjar tanto dinheiro? O problema deixa de ser pessoal; é coletivo. Todos precisam de dinheiro, muito dinheiro. Nenhum dos partidos tem caixa própria, patrimônio suficiente para bancar campanhas.


O jeito é passar o pires. E, um pires aqui, outro ali, sempre sobra um pires para a corrupção -pessoal ou partidária.


 


Folha de São Paulo (São Paulo) 14/07/2005

Folha de São Paulo (São Paulo), 14/07/2005