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Em Paris, nossa universidade de corpo inteiro

 

Poucas vezes a viabilidade de um encontro como o do Ano França-Brasil, no plano da educação superior, permitiu uma abertura tão larga de experiências e visão prospectiva entre os campi dos dois países. Sob o patrocínio da Sorbonne III e o entusiasmo de seu presidente, Bernard Bosredon, o lingüista que hoje se volta, repetidamente, sobre o nosso país, o "Grand Salon" ouviu não menos que uma dúzia de nossos reitores, a marcar toda diversidade da atual oferta do ensino superior do País. Em sintonia com seus homólogos franceses - que devemos ao trabalho e ao denodo de Martine Dorance e René Lestienne -, percebeu-se a vastidão do interesse e, sobretudo, das engrenagens e do trabalho a seguir, que tornaram os encontros de 27 e 28 de junho muito mais que uma prestação de contas e um sucesso retórico. Mesmo porque, ao lado das exposições estritamente acadêmicas, o empenho do reitor Paulo Alcântara permitiu os encontros de Paris e Marselha, e a agenda densa da cooperação tecnológica, assentada sobre a estratégia-chave: a criação das redes - como bem salientou o reitor Melfi, da USP - que asseguram o entrelaçamento entre o campus e o sistema empresarial.


O público da Sorbonne deu-se conta da multiplicidade das ofertas de nosso ensino superior, desde a dimensão pública, entre o plano federal, o do Estado e do Município, até o naipe privado, ainda tão mal conhecido no exterior. Esta força do ensino particular brasileiro, que hoje responde por quase 80% do seu total, só tem êmulos nas Filipinas, na Coréia do Sul e, agora, na enorme expansão que registra a Turquia. Nossos reitores puderam desenvolver toda a complexidade desta nossa prestação, garantida pela Lei Magna, que reconhece, nos seus mesmos direitos, ao Estado, à família e, portanto, ao setor privado, a oferta do ensino e na variedade de formas que marque esta atividade essencialmente social, pedida pela nação.


Social na sua exigência, mais que "bem público", tanto quanto a universidade -ao contrário da visão dominante européia - não é serviço concedido e permite a ampla variedade do seu modo de ajustar-se a esta demanda, tão decisiva à identidade e à formação da cidadania brasileira. Debateu-se a universidade comunitária e confessional, a filantrópica, a privada e, dentro dela, o começo dessas universidades a tomarem a forma de sociedades anônimas - quem sabe a poder distribuir debêntures - como se propõe, com seus mais de 100 mil alunos, a Universidade Estácio de Sá.


A perspectiva a longo prazo do encontro, ao lado da visão exaustiva das diferenças de regime, residia na possibilidade de multiplicarmos a validade internacional dos títulos dos campi brasileiros. Aí está a oportunidade de aderirmos ao Pacto de Bolonha, que é já um dos frutos definitivos da União Européia, e que nos permite, uma vez que a ele acedamos, o exercício da nossa titularidade acadêmica em todo o universo unificado do Velho Continente.


O cerne do debate imediato, entretanto, a busca de cooperações objetivas entre os dois corpos universitários, vai ser posto à prova no plano da pesquisa, e da viabilidade primeira de sua articulação conjunta e a largo prazo. A França tem sobre o Brasil, nesse aspecto, a vantagem de deixar à mesma decisão ministerial o ensino e a pesquisa. Temo-las rachadas no País, e apenas começa a ser amplamente divulgado o esforço amplo dos chamados 14 fundos de amparo, que o Ministério da Ciência e Tecnologia logrou promover na canalização das contribuições das organizações públicas brasileiras e de um começo de presença da área empresarial. O fundo "Verde e Amarelo", inclusive, sai do viés natural do que seja a pesquisa hard que pedem a Petrobrás, a Vale do Rio Doce ou a Eletrobrás.


Na verdade, o atual formato do Ministério de Ciência e Tecnologia tem logrado superar deficiência básica da Carta Magna, que só vislumbrava o dever de apoio pelo Estado a esta atividade no ensino público. Nem outro foi, nesse aspecto, o contraste que impressionou os franceses na inversão dos números, entre oferta de ensino e realização de pesquisa do campus brasileiro. Os menos de 20% da oferta de ensino da universidade pública se trocam pelos 80% daquela atividade.


Debates como o ora avançado em Paris são, sobretudo, momentos do pensamento largo, no passo adiante desses campos latentes de cooperação. Estamos no limiar destes acordos em que as grandes organizações doadoras dos fundos do Ministério de Ciência e Tecnologia podem multiplicar ainda a sua cooperação com os seus homólogos franceses. Por que não o acordo entre a Petrobrás e a Eletrobrás com a "Gaz" ou a "Electricité de France", para a realização de um programa ambicioso de pesquisa na área dos rumos do desenvolvimento social brasileiro, das projeções da nossa próxima auto-suficiência petrolífera, dos caminhos da mega urbanização nacional?


Trazemos de Paris o saldo esplêndido e acordos no plano da pós-graduação, pelo desassombro e à pertinácia de Nelson Maculam, secretário do Sesu e, sem dúvida, a maior presença de brasileiro na política pública de educação entre os dois países. Ao seu lado, o presidente da Capes, Joaquim Guimarães, assinou acordo sobre os pós-doutorados, que deram ao futuro das relações universitárias franco-brasileiras a marca dessa densidade de experiência de tradição em que a Cofecub se transformou numa sigla do apuro e do avanço desta cooperação internacional, uma coordenação pública, e de uma visão integrada de agendas, a multiplicar-lhes os resultados. Não temos precedentes do quanto, pela ação do Sesu, a universidade brasileira mostrou-se de corpo inteiro, para bater à porta do Pacto de Bolonha, e responder pela modernidade acelerada do nosso campus.


"O público da Sorbonne deu-se conta da multiplicidade das ofertas de nosso ensino superior, desde a dimensão pública (...) até o naipe privado, ainda tão mal conhecido no exterior"


 


Jornal do Commercio (Rio de Janeiro) 15/07/2005

Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), 15/07/2005