São mesmo os maridos que mais atrapalham a inserção da mulher no mercado de trabalho. Mesmo em tempos de igualdade entre os sexos, a divisão das tarefas ainda sobrecarrega as mulheres. Folha Cotidiano, 11.07.2005
Quando ela disse para o marido que seu sonho era ser empresária, ele caiu na gargalhada. Riu, riu até engasgar. Ora, faça-me o favor, disse, quando, ofegante, finalmente conseguiu conter o riso:
- Você, empresária? Você não dá para essas coisas, mulher. Você é humilde demais para isso. Seu lugar é em casa. Você cozinha muito bem, você é ótima na limpeza. Além disso, não esqueça: já estamos casados há três anos, está na hora de ter filhos. Eu sou antigo, sou metido a patriarca, quero família grande.
Ela não disse nada. O que poderia dizer? O marido era um autoritário, era do tipo falou-tá-falado. De modo que optou por ficar calada. Mas não desistiria da idéia.
Que era, basicamente, abrir uma pequena loja de roupa feminina num bairro próximo. Capital inicial não lhe faltaria; recebera de herança uma pequena soma que, ignorada pelo marido, continuava depositada no banco. Ajudada por uma amiga, foi em frente com seu plano. Abriu a loja. A amiga, na qualidade de gerente, tocava o negócio, mas quem supervisionava tudo era ela. Fazia-o sob os pretextos mais variados: médico, dentista, chá com amigas... O marido, felizmente, não desconfiava de nada.
Outros suspeitariam de um amante; não ele. Confio em minha mulher, dizia a quem quisesse ouvir, e com isso ela podia prosseguir em seu empreendimento. Que ia de vento em popa. Porque ela tinha um verdadeiro faro para moda, sabia detectar tendências. A loja cresceu extraordinariamente. Logo abriu uma filial, e depois uma segunda, e depois uma terceira, e em seguida começou a vender franchisings. Sempre anônima, sempre mantendo o seu modesto estilo de vida. Uma notícia de jornal até falava na "misteriosa senhora" que, nos bastidores, dirigia com fantástica eficiência uma cadeia de lojas. Notícia que o marido até comentou, verdade com certo despeito: de vez em quando as mulheres até funcionam como empresárias.
Já ele não ia tão bem de negócios. A sua loja, uma ferragem, começou a afundar. Atolado em dívidas, não teve outra solução senão pedir falência. Humilhado, contou para a mulher que agora teria de procurar um emprego.
Chegara o momento. No dia seguinte ela mostrou ao marido um anúncio: a cadeia de lojas procurava alguém experiente para o cargo de supervisor de vendas. Conseguiu convencê-lo de que aquela era a sua chance.
Ele foi lá. Entrevistaram-no, contrataram-no. E aí levaram-no para ser apresentado à chefe. Quando ele viu a mulher sentada no amplo escritório, teve uma dupla reação: de incrédula surpresa, naturalmente, e de fúria: então era você, você me enganou.
Ali mesmo pediu demissão. Que ela não aceitou. Contratou-o como diretor-presidente, com um polpudo salário. É verdade que ele não faz muita coisa. Mas dá ordens. E como, de vez em quando, a esposa ainda arruma a casa e passa o aspirador, sente que sua auto-estima está preservada. Afinal, a divisão de tarefas continua a ser feita da maneira como ele sempre quis.
Folha de São Paulo (São Paulo) 18/07/2005