Tenho visto contristado as notícias sobre o andamento da chamada reforma política, agora reinventada para driblar a crise e que, segundo se diz, envolveria três decisões fundamentais: a lista fechada, a cláusula de barreira (ou desempenho) e o financiamento público das campanhas políticas.
Das três, só a cláusula de barreira tem a nossa simpatia. Com efeito, não é crível que cheguemos a quase 40 partidos políticos nacionais (?), que nada significam como representação popular. Impõe-se criar limitações à proliferação e à atomização partidária, que não têm servido senão para a criação de inexpressivas e inaceitáveis ''legendas de aluguel'', pasto da infidelidade partidária, já que os partidos que as representam nada significam no contexto da vontade popular, se não expressam nenhum pensamento explícito que lhes traduza a vocação.
Aliás, o problema da fidelidade partidária tem também a sua origem. Os partidos são, pela Constituição de 1988 (art. 14, parágrafo 1º), autorizados a definir sua estrutura interna, organização e funcionamento, ''devendo seus estatutos estabelecer normas de fidelidade e disciplina partidárias''.
Acontece que não lhes interessa prever essas normas e, menos ainda, aplicá-las: estão todos pensando nas mutações de legenda, que ocorrem após os pleitos e engordam alguns partidos, sobretudo os mais próximos do poder; e não lhes convém estabelecer regras que as dificultem ou impeçam.
A lista fechada não servirá senão à ditadura das direções partidárias, autorizadas a compor a lista fechada como lhes aprouver (dominando as convenções, obviamente), premiando submissões ao interesse dos caciques do partido, e inviabilizando a eleição dos que não calem a oposição às inconveniências partidárias das chefias.
Já o financiamento público das campanhas é uma farsa que todos conhecem, mas que se quer obscurecer: não haverá candidato que se conforme em obedecer aos limites legais fixados para a campanha, fornecidos pelo Erário aos partidos e nestes divididos pelos candidatos. O Erário gastará rios de dinheiro e os candidatos continuarão a receber as doações dos padrinhos financeiros que, mais do que agora (de quem quase sempre se omitem os nomes), serão maldosamente desconhecidos e ignorados.
Reinará, na realidade, a mesma conveniência atual, obscurecida pela não indicação à Justiça Eleitoral, mas atuante, o mais que possa, no ''convencimento'' do eleitorado.
A solução, dissemo-lo, em princípio aprovada pela Comissão de Justiça da Câmara dos Deputados (não se consumando a tramitação do projeto, porque, no fim da legislatura, o autor abandonou a vida pública e o projeto foi arquivado), é outra, e atende à reconhecida conveniência da adoção do voto distrital. É a constante do Projeto 1.036/1963, em que se explicitam as normas do sistema adotado.
Em síntese: os estados são subdivididos em distritos (para a eleição dos deputados federais) e subdistritos (para a eleição dos deputados estaduais), com a possível igualdade do número de eleitores, pelos TREs, com recurso para o TSE.
Cada partido indica um candidato em cada distrito eleitoral (ou subdistrito) e a votação de todos os candidatos de todos os distritos (ou subdistritos) será totalizada em uma lista geral do estado, pelo percentual que cada candidato obtiver no seu distrito (ou subdistrito).
Por exemplo: o candidato A recebeu, no 1º distrito, 50 mil votos, que correspondem a 50,1% dos votos apurados. O candidato B recebeu, no 2º distrito, 48.899 votos, que correspondem a 50,12% dos votos válidos apurados.
Resultado: estará em primeiro lugar o candidato B, na lista proporcional do partido e, em segundo, o candidato A. Se o partido só eleger um será B o eleito.
Imperarão, assim, o processo distrital de votação e o sistema proporcional de apuração, obedecidos não os quantitativos de votos, mas os percentuais de votação (por distrito ou subdistrito), em face das desigualdades do número de eleitores dos distritos ou subdistritos.
Essa divisão em distritos e subdistritos será feita pelo TRE local, com recurso para o TSE. A escolha dos candidatos se dará na convenção distrital.
Com esse sistema, asseguram-se algumas vantagens (em breve síntese):
I - Um só candidato de cada partido por distrito (ou subdistrito), facilitando a propaganda, a votação e a apuração, e evitando a disputa interna no partido, quando o maior concorrente do partido não é o adversário, mas o companheiro, disputando o mesmo voto.
II - Maior contato candidato-eleitor, em área reduzida de disputa.
Mas, diga-se, isto é apenas um aperitivo para o conhecimento do problema de uma reforma política, que reforme para aperfeiçoar o regime democrático; e que não seja apenas biombo para esconder, no momento, a gravidade da crise, que o governo não sabe como enfrentar.
Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) 20/07/2005