Há muitos anos, fiz uma conferência na Escola Superior de Guerra sobre a necessidade de reforma do sistema eleitoral brasileiro. Era o tempo em que o presidente Figueiredo abolia o antigo esquema de dois partidos: Arena e MDB. Publiquei depois um ensaio com o título "Partidos Políticos" e apresentei projetos sobre a necessidade de implantação do sistema distrital no Brasil.
Vou repetir o que tenho pregado ao longo de muitos anos: o Brasil é o único país do mundo que pratica o voto proporcional uninominal, isto é, vota-se em pessoas, não nos partidos. Os candidatos disputam dentro do seu próprio partido, saem da eleição inimigos e perdem qualquer noção de fidelidade. Esse sistema é o responsável pela total ausência e proliferação de partidos no Brasil, pela bagunça partidária e, sem nenhuma dúvida, pela vulnerabilidade das eleições ao poder econômico e às práticas heterodoxas de angariar votos.
A democracia representativa do voto proporcional é uma reminiscência das idéias positivistas do fim do século 19, que substituíram o voto distrital do Império.
Já tivemos a República, sem adjetivos, embora sem povo, como dizia Aristides Lobo. Depois se chamou de República Velha. Na Revolução de 30, República Nova, denominação de Getúlio, que a fez Estado Novo, sem República, sem direitos e sem eleições. Tancredo e eu falamos de Nova República, que não pegou.
Recente pesquisa diz que o povo quer votar em pessoas. É claro e evidente, porque, há um século, o povo não conhece outra maneira de escolher seus representantes.
O partido político foi o caminho pelo qual a democracia pôde organizar-se e ser o melhor sistema do autogoverno. Sem partidos políticos fortes não há parlamentos fortes e, sem estes, a democracia descamba para a demagogia e a política pessoal, com todos os descaminhos que levaram, no Brasil, à decomposição dos costumes políticos.
Nas últimas eleições, segundo o TSE, tivemos, para prefeitos, vereadores, deputados, governadores e senadores, um total de 378.960 candidatos. O que não deve ter sido essa massa buscando recursos para televisão, rádio, cartazes, viagens, cabos e equipes eleitorais? É uma dinheirama que não tem fim; nem há fiscalização que seja capaz de evitar o abuso do poder econômico e a fuga da vigilância da Justiça Eleitoral a práticas condenáveis.
Juntem-se a isso, depois, os deputados e vereadores eleitos lutando para manter suas bases eleitorais.
Qual a solução? Já que não podemos implantar o voto distrital puro, implantemos o distrital misto. Metade proporcional e metade majoritário, em lista partidária. Como para as próximas eleições não temos condições de dividir o país em distritos, faça-se, em caráter transitório, o que fez a Argentina: o território de cada Estado um distritão, e os mais votados em sistema majoritário serão os escolhidos.
Cláusula de barreira, em etapas, de modo a não esmagar partidos de idéias, como o Verde. Fidelidade partidária, financiamento público das campanhas. É uma boa agenda de emergência.
Não acabamos com todas as mazelas, mas serão menores. Isso tem que ser logo, senão vamos ter as cuecas usadas como mala.
Muitas lindas modelos têm debaixo dos biquínis milhões de dólares. Mas cearenses cabras machos, na cueca? Assim não dá.
Folha de São Paulo (São Paulo) 22/07/2005