Há dois anos, dia 9 de julho de 2000, recebi uma das minhas primeiras missões na ABL, que foi justamente a de representá-la, e ao seu então presidente, o Acadêmico Tarcísio Padilha, nas comemorações do Jubileu da Ordenação Sacerdotal de Dom Lucas Moreira Neves, realizadas na sua cidade natal de São João del Rey. Quando lá cheguei, a convite de D. Risoleta, participei de um jantar, no Solar de Tancredo Neves, oferecido por Dom Lucas a um grupo de cardeais brasileiros, entre os quais, Dom Eugênio Sales, Dom Paulo Evaristo Arns e Dom Aloísio Lorscheider.
Pude testemunhar, então, o carinho, o prestígio e a felicidade daqueles seus conterrâneos de São João del Rey, pela presença, na cidade, de um dos seus filhos mais ilustres e queridos.
Ao longo das ruas revestidas de pedra, à medida que caminhava o cortejo de Dom Lucas, sob o pálio episcopal, avolumavam-se as palmas e as aclamações populares, àquele mineiro humilde, modesto e emocionado, já então titular de um dos postos mais importantes na Cúria Romana.
O Papa Paulo VI tinha-o levado para Roma, como vice-presidente do Conselho Mundial dos Leigos. Logo em seguida, o Papa João Paulo II nomeou-o para secretário da Congregação dos Bispos, do Sacro Colégio e da Comissão para Doutrina e Fé.
Nos intervalos, Dom Lucas dava ao Santo Padre aulas de português, ministradas - segundo me informou sua irmã Margarida - com evidente sotaque mineiro, que ele pronunciou desde a sua primeira vinda ao Brasil. Dom Lucas voltou ao nosso País, nomeado, em 9 de julho de 1987, para o cargo de Cardeal-Arcebispo de Salvador, Primaz do Brasil e escolhido presidente da CNBB.
Nove anos depois, em 20 de julho de 1996, é eleito para a cadeira 12 da Academia Brasileira de Letras, sucedendo a Abgar Renault, José Carlos de Macedo Soares, Vitor Viana, Augusto de Lima, Urbano Duarte e França Júnior. Foi saudado pelo acadêmico Marcos Almir Madeira, o principal e feliz patrocinador de sua candidatura, que, naquela noite, aliás, pronunciou discurso simplesmente magistral.
Dom Lucas era monge dominicano e escreveu livros importantes: "Sacerdote a serviço da família"; "Restaurar a família em Cristo"; "Com o olhar de pastor"; "Vigilante desde a aurora"; "O homem descartável"; "O alferes e o presidente"; "Razões de esperar" e "Paolo VI, Profilo de um pastore".
Era teólogo eminente, "Doutor Honoris Causa" em Teologia (Doctor of Divinity) pelo Providence College dos Estados Unidos e "Doutor em Teologia", pela Universidade Católica de Baltimore.
João Paulo II, que o tinha como íntimo e fiel colaborador, chamou-o de novo a Roma, para o cargo de prefeito da Congregação dos Bispos, um dos mais altos postos na hierarquia do Vaticano; todas as semanas, ele despachava com o Sumo Pontífice.
Era também o sexto Cardeal-Bispo, um dos postos de mais destaque, entre os cardeais, e presidente da Comissão Pontifícia para a América Latina, uma das áreas do mundo mais densamente povoadas de católicos,o que o levava a opinar sobre todos os assuntos latino-americanos, relacionados com a Igreja.
Por tudo isso, era tido como um dos prováveis sucessores de João Paulo II, que dele teve de abrir mão, quando, no dia 16 de setembro de 2000, atingiu a idade limite de 75 anos.
Já então, a saúde era precária, debilitada por problemas diabéticos e por fazer uma hemodiálise, três vezes por semana, que o fragilizava bastante.
Estava sofrendo muito e descansou, às vésperas de completar 77 anos de vida.
O Santo Padre, que o tinha como verdadeiro irmão, não quis separar-se dele e o manteve no Vaticano.
Na Academia Brasileira de Letras, ele foi sempre um confrade respeitado e muito querido, que, apesar de distante, em Roma, estava presente na nossa estima, lembrança e respeito, nas nossas dúvidas e aflições.
Seu legado espiritual a todos nós muito nos honra, enobrece e santifica. Pois foi, afinal de contas, grande apóstolo da nossa fé católica. Sua falta já está sendo bastante sentida e lamentada.
Hoje, neste "Réquiem", que Mozart, Brahms e Verdi executariam para ele, resta-nos o consolo de saber que, onde quer que agora esteja, o Cardeal-Arcebispo Lucas Moreira Neves estará habitando um mundo muito melhor do que este nosso, sentado à direita de Deus Pai Todo Poderoso e intercedendo junto a Ele em favor de todos nós.
Jornal do Commercio (Rio de Janeiro- RJ) em 17/09/2002