Segundo me informam, algumas pessoas entendem que seria melhor a prorrogação da entrada em vigor do novo Código Civil, prevista para 10 de janeiro do próximo ano. Tal pretensão não tem cabimento a esta altura da vacatio legis de todo um ano, destinada à imediata correção de possíveis equívocos que pudessem comprometer a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, e também para que esta fosse objeto de estudo pelos operadores do Direito.
É claro que nenhuma lei é perfeita, comportando sempre revisões e o preenchimento de lacunas, mas tais providências não podem ser feitas açodadamente, exigindo longa e contínua apreciação por parte da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, o que nada tem que ver com os objetivos da vacatio legis já em sua fase final.
Dir-se-á que o advento de nova Lei Civil implica cuidados especiais, mas estes foram objeto das Disposições Finais e Transitórias, as quais, infelizmente, não têm merecido a devida atenção por parte de advogados, juízes e juristas. Refiro-me aos 19 artigos, de 2.029 a 2.093, que disciplinam prudentemente a passagem do antigo para o novo Código Civil.
Nesse sentido, não é demais salientar que continuarão em vigor muitíssimas disposições do Código Civil de 1916, bastando advertir que, pelo artigo 2.039, "o regime de bens nos casamentos celebrados na vigência do Código anterior, Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916, é o por este estabelecido". Como se vê, trata-se de imenso número de casos em que continuarão a ser aplicadas as disposições do código ainda em vigor.
Outro exemplo da cautela com que se houve o legislador nessa matéria é o artigo 2.035, segundo o qual "a validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor do novo Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no Art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos deste se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução".
Terceiro exemplo da prudência legislativa é o do artigo 2.036, segundo o qual "a locação de prédio urbano, que esteja sujeito à lei especial, por esta continua a ser regida". Este preceito tem vastíssima aplicação, pois a Lei nº 6.649, de 16 de maio de 1979, "regula a locação predial urbana e dá outras providências".
Outras hipóteses estão previstas nas Disposições Finais e Transitórias, de tal maneira que, durante largo tempo, em determinadas matérias, haverá a aplicação de dispositivos da codificação civil de 1916, bem como de leis especiais que houverem sido promulgadas sob sua vigência.
Por outro lado, o artigo 2.031 estabelece que "as associações, sociedades e fundações, constituídas na forma das leis anteriores, terão o prazo de um ano para se adaptarem às disposições deste Código, a partir de sua vigência; igual prazo é concedido aos empresários". Essas sociedades são as de que trata o Livro III sobre Direito de Empresa, pois, na nova Lei Civil, é feita uma distinção precisa entre sociedade e associação, aquela sempre de fins econômicos e esta, não.
Como se vê, não haverá surpresas na passagem do antigo para o novo Código Civil, inexistindo razão plausível para prorrogar a data de sua vigência.
Ademais, no corrente ano, por iniciativa de Faculdades de Direito de todo o País, de Associações dos Magistrados, bem como da OAB, foi realizado grande número de cursos e conferências sobre o novo Código Civil, por sinal que publicado por vários editores, inclusive com comentários elaborados por juristas de renome.
Por outro lado, já estão nas livrarias obras relevantes que apreciam as inovações introduzidas pela Lei nº 10.406/2002, mostrando o benefício que ela representará para a sociedade brasileira, em virtude dos princípios de eticidade, socialidade e operabilidade que presidem o Código Civil por ela instituído, superando-se o individualismo que caracteriza a codificação de 1916.
Além disso, já foram revistos vários compêndios de Direito Civil à luz dos novos mandamentos, de acordo com os quais já estão sendo ministradas as aulas tanto do curso de bacharelado como de mestrado e doutoramento, fazendo-se precioso cotejo entre as disposições dos dois códigos, com inegáveis vantagens de ordem científica.
Tudo isso demonstra que a sociedade toda está aparelhada para a recepção da nova Lei Civil, que por certo vai determinar a elaboração de monografias e tratados. Pelo que sei, três de nossas maiores editoras de obras jurídicas, a Saraiva, a Forense e a Revista dos Tribunais, contrataram juristas do mais alto valor para escreverem comentários em dezenas de volumes, de próxima publicação.
Assim sendo, a prorrogação da vacatio legis viria interromper verdadeiro surto de Direito Civil, que é a disciplina basilar no quadro das investigações jurídicas.
Aparecerão, por certo, análises de Direito Comparado, de cuja falta há muito tempo nos queixamos, sendo instigantes os estudos comparativos dos códigos de 1916 e 2002, tendo como conseqüência o aproveitamento das obras clássicas escritas durante a vigência daquele.
Eu compreendo que a substituição de nossa Lei Civil possa gerar suscetibilidades ou ferir vaidades, contrariando mesmo outras iniciativas, como a dos adversários da idéia de codificação, que pregam uma pluralidade de leis especiais, mas, pelo que tenho lido, o que já predomina é o reconhecimento de que o novo Código Civil virá contribuir não só para o aperfeiçoamento de nossas relações sociais, mas também para o progresso da Ciência Jurídica brasileira.
O Estado de São Paulo (São Paulo - SP) em 12/10/2002