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A universidade brasileira em Cabo Verde

 

Em 11 de outubro, foram inauguradas pelo primeiro ministro de Cabo Verde, José Maria Neves, as novas instalações, onde funcionará, em Mindelo, junto ao Instituto Isidoro da Graça, a Universidade Candido Mendes. No seu Centenário, a instituição dá início a uma política de expansão internacional naquele arquipélago, em meio ao Atlântico. No ato de sábado último, o Governo caboverdiano definiu a envergadura do esforço que o associa cada vez mais ao Brasil e, ao mesmo tempo, define a maturidade com que encarna a implantação do sistema integrado de educação no país. Tanto se inaugurava, junto ao pioneiro Instituto caboverdiano, a Ucam, quanto se acolhia um esforço educacional privado para prover, localmente, a fome da especialização no terceiro grau do ensino. Santos Neves mostrava como a inovação vinha de par com a formal promessa de se instalar a primeira universidade pública, ainda no presente Governo, em primeiro ano de exercício.


Convidando a Candido Mendes, as forças empresariais do Mindelo quiseram não só marcar a tradição da universidade carioca, mas reforçar o vínculo do que seja, em gerações, um empreendimento familiar desassombrado, como o que associa os educadores brasileiros, agora, à família Graça. Lá estava, ao centro das homenagens, Isidoro, o patriarca, com os seus treze filhos vivos, e exemplo, por excelência, na economia do Cabo Verde, de quem saíra das atividades do comércio de abastecimento marítimo no Porto Grande, para criar a primeira firma de armadores do país, a "Estrela Negra", a bater o pavilhão de seus navios, "Independência" e "Mindelo", nas rotas oceânicas do novel Estado.


O fundador quis fazer do esforço filantrópico o remate da biografia pioneira, criando o Instituto para o aprendizado das ciências da administração, das finanças, das relações internacionais e da animação cultural. E buscou a associação plena com o campus centenário do Rio de Janeiro. É mudança de trajetória, esta, com que o Cabo Verde, acolhendo universidades estrangeiras, inova sobre o realismo com que, até hoje, formou no estrangeiro seus doutores e bacharéis.


Vai para mais de três décadas esta política sistemática, de fornecer bolsas para o estudo superior nos Estados Unidos, em Portugal, na Rússia, na Ucrânia. São conhecidos os núcleos vivazes de estudantes de Praia ou Mindelo, nas universidades de Massachusetts, Connecticut ou Nova York. E esta mocidade toda, estudando fora, nos empregos subseqüentes que obtém, se transforma na fonte dominante de recursos de seus compatriotas. Não há no mundo país em que a população no estrangeiro dobre o efetivo dos 400 mil cidadãos que habitam o Arquipélago. E o excepcional é o quanto, lá fora, reforçam o laço com os que ficaram na terra.

País único, este, em que o território se torna praticamente virtual, num povo espalhado no rosário das dez ilhas, à roda do protovulcão submerso, e a distarem, às vezes, mais de 400 quilômetros entre si. Mais ainda, a nação remete-se além Atlântico, numa determinação toda o contrário das diásporas de outros países ilhéus. Teimoso Cabo Verde, feito da vontade dos homens, por sobre as poeiras de terra vulcânicas, de chuvas semestrais, a buscarem hoje, na pesca e no turismo, a vocação inesgotável que lhe dá o mar-oceano, e a paisagem apenas pressentida pelas viagens blasées dos circuitos clássicos do Primeiro Mundo.


O Brasil se transformou em peça crítica desta criação lúcida e pertinaz das elites caboverdianas, fixando, agora, no país, profissionais superiores, enquanto o Governo, após a geração fundadora, aperfeiçoa um sistema democrático de maior refino político, neste chão estratégico entre a América Latina e África. É foco, por excelência, do que amanhã venha a ser o arco austral dos Estados-nação remanescentes em tempos de globalização, a se projetarem de seus antigos blocos geográficos, como o Brasil e a África do Sul de Mandela e Mbeki.


O primeiro ministro é formado pela Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, voltado à especialização empresarial, à teoria da organização e à administração de conflitos. O Governo da Praia tem a autoridade de quem manteve a melhor tradição democrática, já para além da continuidade dos founding fathers, do antigo mundo lusófono, ou da vigência, ainda, dos partidos únicos, em bem de efetivas alternâncias de poder. Aristides Pereira, ou Mascarenhas Monteiro e, agora, Pedro Pires, na Presidência, conduzem a um regime impecavelmente parlamentar que levou, inclusive, o último ganhador a vencer em segundo turno, por estritos 12 votos. Evidenciam-se o equilíbrio das facções, e o respeito escrupuloso da regra democrática nesta modernidade política que busca, ao mesmo tempo, o maior pluralismo universitário. O programa conjunto do Iasig e da Ucam exprime a nova densidade financeira e comercial que acompanha a urbanização crescente, onde a Praia ou o Mindelo já são seguidos por São Felipe, Santa Catarina ou Santa Maria. O Brasil, que possui a mais arrojada das arquiteturas de Embaixada na capital, assentada nos motivos paraenses das estruturas do "ver o peso" em Belém, é pólo da visão cosmopolita caboverdiana, contrastando com a arquitetura chinesa do Parlamento, ou a da monumentalidade pós-soviética do Palácio do Governo.


O presidente Pedro Pires é o último companheiro de Amílcar Cabral, na vivacidade do humanista ganho às lutas dos fazedores de nação. Sabe do Brasil profundo, que encontrou na Bahia, e foge dos caminhos de uma independência delimitada pela herança colonial, neste arrojo em que o primeiro destino nacional, pensado pelo fundador, desgrudava-se da Guiné e saltava do promontório africano para o arquipélago-sentinela. Os dois povos que Amílcar viu, de início, fundidos numa única soberania, desbordam, por Cabo Verde, a estrita mirada continental pela atlântica. O Cabo Verde, na trama emergente de gerações, é vigia dos novos denominadores da nossa identidade coletiva, ameaçada pelos mercados hegemônicos, se lidos como fatos consumados. Remanescem, sim, como a vontade dos homens e dos símbolos que extraiam das suas eleições irrepreensíveis, e das lideranças que consagram.




Jornal do Commercio (RJ) 18/10/2002

Jornal do Commercio (RJ), 18/10/2002