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Genealogia das opiniões

 

Uma pergunta que sempre me faço e acredito que outros também a façam: de que se alimenta a mídia, principalmente os jornais, que não dispõem dos recursos da imagem em movimento e do som?


TV e rádio podem dedicar hora e meia a um jogo de futebol, duas horas à transmissão de um show ou de uma missa solene do papa, quatro horas a uma ópera comprida, como qualquer uma de Wagner. O jornal tem menos espaço - um espaço que custa caro e que atende a um público heterogêneo e apenas provável.


Daí, talvez, a necessidade de apelar, não para o herói do dia, mas para o vilão do dia. Eles se sucedem no noticiário compacto, no texto dos colunistas e nas charges, sobretudo quando se atravessa um tempo de corrupção abundante e quase generalizada como o atual.


Parece que sempre foi assim. Creio que já lembrei o exemplo histórico de uma época em que não havia rádio nem TV. Foi por ocasião da fuga de Napoleão da ilha de Elba, quando conseguiu fugir e chegar a Paris para retomar o poder, embora por apenas cem dias, sendo logo derrotado em Waterloo e confinado em Santa Helena, longe demais da Europa para a hipótese de uma nova fuga.


Quando os jornais de Paris souberam da fuga, estamparam em manchetes colossais: "O criminoso fugiu da prisão!". Dias depois, os mesmos jornais noticiaram com estardalhaço: "O facínora desembarca na costa francesa!". Mais alguns dias, e a manchete de todos os órgãos da imprensa parisiense berravam em letras que ocupavam metade das primeiras páginas: "O bandido passa por Lyon". Finalmente, mais alguns dias, e as manchetes mudavam de tom: "O imperador chega a Paris!".


O exemplo talvez não sirva para nossos dias. No caso de Napoleão, o vilão tornou-se herói. Não é o que ocorre no Brasil, onde os vilões continuam vilões até o fim, mesmo que a Justiça, em instância superior e definitiva, contrarie a opinião da mídia.




Folha de São Paulo (São Paulo) 09/06/2005

Folha de São Paulo (São Paulo), 09/06/2005