Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > Saudades de FH

Saudades de FH

 

A maior parte dos freqüentadores de botecos e assemelhados, grã-finos ou não, concordará comigo: já se ouvem críticas, às vezes contundentes e exaltadas, ao governo de sua excelência dr. Luiz Inácio Lula da Silva. Para começar, "Sua Excelência", não; "companheiro", no máximo, pois não só é o que os petistas usam entre si, como simplesmente não cola chamar um metalúrgico de "doutor", do mesmo jeito que se faz com qualquer um que ponha gravata ou dirija um carrão no Brasil. Doutor e sua excelência, uma conversa. Companheiro Lula e olhe lá, simplesmente não dá pé chamá-lo de outro jeito, o que já é - ninguém tinha pensado - um de seus múltiplos defeitos, pois só que tem o direito de chamar o presidente de "você" em público, aqui no Brasil, é o Jô Soares, como todo mundo sabe. E esse não, esse vai ser chamado de "você" a torto e a direito e, o que é pior, é capaz de atender.


E que defeitos tem o governo dele, que ainda nem começou? Ah, todo tipo. Por exemplo, é o responsável pela trapalhada financeira e cambial em que estamos metidos há meses - há anos, aliás -, se bem que a responsabilidade dele, deve, a bem da verdade, ser restrita, com boa vontade, a uns 15 meses.


Claro, ele não podia fazer outra coisa senão desmentir que vá ignorar compromissos anteriores ou tomar atitudes extremadas, até porque não pegariam. A sociedade está atenta e não admitirá certas liberdades. Mas não desmentiu com a convicção necessária, nem chorou e bateu no peito uma vez sequer - como é que o investidor estrangeiro pode ter certeza de alguma coisa, se só se pode acreditar nesse povinho se ele jura pelo santo dele e chora pelo time dele?


Mas não é só isso que ele tem feito de errado, num governo cuja assunção ele até já está topando adiar para 6 de janeiro. Vejam vocês, o povo todo ansiando por novos tempos e ele concordando em adiar a posse por uma semana.


E talvez adie, mesmo diante da oposição ferrenha de dr. Fernando Henrique, que se recusa a aceitar esse golpe contra as instituições estabelecidas há décadas (está bem, há anos; mas, de qualquer forma, estabelecidas). Um novo mandato, tudo bem, pratica-se nos países mais chiques, mas seis dias, não.


Já viram como começaram a pintar as saudades, viram a diferença entre um que não tergiversa nem é capaz de entrar em acordos por auto-interesse e um que está doido para agradar de qualquer maneira?


Querem mais? Já marcou viagens! Nem sentou na cadeira presidencial, já marcou viagens e visitas a dignitários e dirigentes de outros países!


Ninguém percebe a gravidade disso? Alguém tinha de ter emendado a Constituição antes, para não permitir que o presidente viajasse, a não ser para as partes mais atrasadas do País, como a terra dele. Perguntarão vocês por que e a resposta é mais do que clara: porque o País não pode passar vexame. As viagens do dr. Fernando Henrique, além de nos trazerem vantagens e títulos de glória, ainda serviam para mostrar que, no Brasil, há quem fale língua de gente, com o homem deitando e rolando em qualquer idioma, do inglês ao chinês. Diz o povo que não há língua que ele estude uns dias e não passe a falar melhor do que os nativos.


Quando questionado sobre o fato de não se negar ao contato com o povo, Lula explicou que, sempre fora contra esse negócio conhecido de, antes da eleição, o candidato puxar o saco de todo mundo para, depois de eleito, não atender mais ninguém. Todo mundo é contra, é claro, realmente isso não se faz. Mas agora ele é presidente, não pode ficar se expondo a qualquer maluco, de beijoqueiro a terrorista. Se nós falaríamos mal dele, caso ele evitasse chegar perto demais do povo? Claro que falaríamos, nenhuma das duas atitudes é possível para ele, os brasileiros deviam ter atentado para isso, antes de votarem. Se passar a evitar o povo, é um metido a besta como os outros. Se não evitar, é um irresponsável leviano. É o que dá não saber votar e escolher um candidato como ele, inviável pela própria natureza.


A mesma coisa acontece com essa tal transição e o novo ministério. Para começar, certos ministros e altíssimos funcionários deviam ser conservados, para garantir um mínimo de qualidade à malta que acompanha Sua Metalurgia desde que a mídia e outros antipatriotas começaram a meter na cabeça do povo que povo pode governar. Isso não acontece em lugar nenhum e não ia ser aqui que começaria. Povo tem mais é que obedecer. Mas que exemplo nos dão? Se arrastam com essa transição e continuam a atrapalhar tudo, porque não definem nomes para o ministério e os altos escalões. Claro, se já tivessem definido os nomes, seriam criticados por excesso de pressa e açodamento, mas isso faz parte do jogo político, quem está na chuva é para se molhar. Idem para se já tivessem acabado a transição, idem para o comentário.


O único caminho para o Lula é falar à nação logo na noite da posse, pedir que vejam como ele não tem nada nas mãos, nada nas mangas, nada nos bolsos, nada da cartola e imediatamente resolver o problema de todo mundo, desde as crianças famintas aos corruptos impunes. Não fazia mais do que a obrigação, mas já seria alguma coisa. É claro, porém, que ele não vai fazer nada disso, vinha logo Mister M e mostrava como era tudo truque. Sim, o dr. Fernando também não fez, mas, quando havia alguma coisa errada, ele vinha e espinafrava o próprio governo sem pestanejar. Desse outro, não se pode nem esperar isso. Que saudades cada vez maiores do dr. Fernando Henrique - já estão dizendo e preparando-se para dizer. Nós temos jeito?


 


O Estado de São Paulo (São Paulo -SP) em 24/11/2002

O Estado de São Paulo (São Paulo -SP) em, 24/11/2002