Todo início de novo governo, após as vicissitudes do acirrado debate eleitoral, é tempo de esperança, uma das primordiais emoções do ser humano, ensejando o estudo crítico dos acontecimentos vividos.
Somente as mulheres e os homens podem alimentar a esperança com todas as perspectivas a que ela dá lugar. Os outros animais não compartilham desse precioso estado de consciência, pois não lhes é dado ir além da espera ou da espreita, como acontece, por exemplo, com os animais de rapina no astucioso aguardo de suas vítimas.
A esperança abre-se para o futuro como um valor existencial, tornando presentes os fatos passados, a partir dos quais nossa razão se eleva a um quadro variegado de perspectivas, conforme a natureza daquilo que nos parece deva acontecer.
É esse o estado de espírito do povo brasileiro nesta fase de transição para uma nova visão política, tendo à frente a imagem do presidente eleito, Luís Inácio Lula da Silva, cuja prodigiosa história ao mesmo tempo é motivo de confiança e de preocupação.
A esperança nunca é uma emoção certa e tranqüila, desacompanhada de qualquer apreensão, pois com ela se põe o cenário conjectural do provável e do plausível.
No fundo, alimentar esperança é sinal de que cremos em algum sentido da história, e que esta não é mero resultado da sorte ou do acaso, mas depende de uma série de fatores. Conforme nos pareçam estes positivos ou negativos para a conquista dos valores que almejamos, a esperança se desdobra num espectro de perspectivas, numa escala espiritual que vai desde o medo ou o simples receio até ingente preocupação.
Se lembrarmos a inquietante afirmação do grande economista John Maynard Keines de que "o inevitável não acontece nunca; o inesperado, sempre", bem podemos fazer idéia da força que adquire a esperança quando se trata da expectativa de nova fase de nossa vida política.
Ora, o que foi proclamado por Lula e seus mais responsáveis correligionários, após o resultado das urnas, fez surgir em meu espírito a esperança de um bom governo, desde o momento em que se pode confiar que não haverá uma ruptura com o passado, mas uma mudança no trato da coisa pública, com mais sentido de socialidade e menos apego aos valores monetários. A meu ver, foi essa a mensagem que emergiu da última eleição, como o comprova a imensa diferença dos votos atribuídos à pessoa do candidato presidencial vencedor e os dados ao Partido dos Trabalhadores.
Efetivamente, se tivesse havido igualdade de sufrágio para o novo presidente e seu partido, sem a eleição concomitante e autônoma dos governadores dos Estados maiores e mais cultos da Federação, com vitória em separado de candidatos pertencentes a outras agremiações partidárias, poder-se-ia falar na aspiração do eleitorado no sentido de se repudiar o passado, com ruptura dos acordos e compromissos firmados, interna e externamente, pelo presidente Fernando Henrique Cardoso.
Foi mérito de Lula e de seus principais colaboradores o reconhecimento de que não se vai agir em função de uma alteração política global, de costas voltadas para o passado, e com desprezo de conquistas preciosas e definitivas, como a da luta contra a inflação e o respeito à responsabilidade fiscal dos gestores dos negócios do Estado, desde a União até os municípios.
Por outro lado, também foi reconhecido que o Brasil, como país soberano, assumiu compromissos externos que não podem deixar de ser honrados, por maior que seja a diferença entre o antigo e o novo governo.
Ante um quadro dessa natureza, cresce a esperança de uma administração empenhada na grande batalha contra a exclusão social e a pobreza, que nos envergonham perante as demais nações, até mesmo países em desenvolvimento, com plena consciência de que na experiência política há valores positivos que estão acima de divergências puramente ideológicas.
A esperança de um bom governo não pode resultar do messianismo populista, mas se baseia necessariamente no reconhecimento de que a vida política implica sempre certa linha de continuidade.
Ao contrário do que se dava em meados do século passado, o que prevalece, em nossos dias, é a convergência, e não o conflito das ideologias, sobretudo depois da "queda do Muro de Berlim", o que explica a formação, na Europa, de ministérios dos quais participam representantes de todos os partidos, prevalecendo a idéia de realizar, por diversas vias, as exigências do bem comum.
Ademais, a última eleição veio aumentar o número dos pequenos partidos, em detrimento das agremiações de maior representatividade política, o que vai dificultar as negociações necessárias à constituição dos ministérios, de tal modo que, queira-se ou não, não poderá deixar de haver concessões recíprocas para se garantir a governabilidade do País.
Como se vê, a minha esperança de uma futura administração comedida e equilibrada, sem se descambar para soluções extremadas, como as desejadas pela área minoritária do PT, não se funda apenas nas promessas feitas pelo presidente eleito, mas decorre também da composição mesma do Congresso Nacional, pouco propícia à implantação de um presidencialismo imperial.
Não nos esqueçamos de que a Constituição de 1988 consagrou o regime presidencial, mas outorgando ao Congresso Nacional atribuições mais próprias do parlamentarismo, o que redundou no fortalecimento do Poder Legislativo, de tal modo que, bem ou mal, o presidente da República não está em condições de impor a sua soberana vontade.
Daí a esperança de que também a Câmara dos Deputados e o Senado Federal saibam nos preservar os valores de uma democracia integrada no realístico cenário do mundo político contemporâneo.
O Estado de São Paulo (São Paulo - SP) em 07/12/2002