Escrever sobre Otto Lara Resende é recordar uma amizade que começou nos idos de 1955, quando ele dirigia a revista Manchete. Jovem repórter esportivo, comecei a trabalhar na Manchete Esportiva, compondo a equipe dos três Rodrigues: Augusto, Paulo e Nelson. Desses, Augusto felizmente ainda está vivo, para testemunhar o que isso representou para o nosso jornalismo.
Otto jovem, inquieto, competente, vez por outra cobrava algum artigo dos especialistas no esporte para a sua grande revista. Era a glória. Assim amigos, depois o destino nos separou. Eu fiquei, ele foi em busca de outras aventuras, passando pelo Jornal do Brasil, Última Hora, Globo e TV Globo, onde trabalhou diretamente com o acadêmico Roberto Marinho e depois a Folha de S. Paulo. Figura querida, só nos reencontramos, para um convívio mais de perto na Academia Brasileira de Letras, onde entrei em 1984.
Dele sempre tive o carinho de uma palavra amiga, em geral sobre o programa de televisão que eu dirigi e apresentei por 10 anos (Debate em Manchete). Era uma pessoa singular, que sentava bem longe, na sala de sessões da ABL, em dias de eleição, para que não vissem o seu voto. Detestava atender telefone, mas quando alguém o pegava era papo para mais de meia hora. Temia exatamente isso.
Otto chamou para a Manchete, onde já encontrara Henrique Pongetti, cronistas de primeira ordem que eram os seus grandes amigos de Minas Gerais: Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos. Completou o time com Rubem Braga, de Cachoeiro de Itapemirim, escolhido, segundo ele, por sua forte dosagem de mineiridade. Otto, Fernando, Paulo e Hélio Pellegrino foram amigos inseparáveis, em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro. Irmanados pelos mesmos interesses literários e por uma amizade sem fim. Quando o encontro no banco da capital mineira só acontecia com três deles, o prazer aumentava: passavam horas falando mal do ausente.
Procurei traçar o perfil do acadêmico Otto Lara Resende, personagem do título de uma peça de Nelson Rodrigues ("Otto Lara Resende" ou "Bonitinha, mas ordinária"), buscando uma fórmula original. Utilizarei os olhos e o coração do escritor Fernando Sabino para recordar o grande "causeur".
Sabino acaba de lançar o seu "Cartas na mesa" (editora Record), dedicado na capa aos três parceiros, meus amigos para sempre. Vamos projetar um pouco mais de luz sobre um deles, Otto Lara Resende, na visão do único sobrevivente do grupo que marcou, em cores fortes, uma época de relevo da literatura brasileira.
Pelo livro de Sabino pode-se inferir que Otto era um pouco demorado no envio das cartas. Sabino, o mais aflito, dele sempre esperava respostas, sobretudo porque Otto era a sua grande referência, precisava das suas correções e dos seus conselhos. Quando a resposta demorava, era um Deus nos acuda. Isso se percebe agudamente no livro das correspondências trocadas entre eles.
A correspondência era freqüente, embora sempre houvesse reclamação da demora nas respostas. E a saudade se manifestava de todas as formas, nas relações interpessoais dos quatro amigos. Na carta de 3 de setembro de 1944, Sabino já se encontra no Rio, declara-se deslocados, e solta o verbo:
Otto, meu velho, Otto de cara-de-amendoim, Otto da tristeza sem fim, Otto cético, Otto asmático, Otto carismático, você menino, você chorando, você escutando, você bebendo, você sozinho, você tristonho - tudo tão triste!
O autor de "Encontro Marcado" e "O grande mentecapto" só poderia mesmo estar escrevendo isso tudo no que ele chamava de domingo sem-vergonha, quando a vontade de rever os amigos aguçava a sua sensibilidade. Ele passeava a saudade ao rabiscar o papel, ressalvando que utilizava a palavra amigo sempre com A maiúsculo.
Jornal do Commercio (Rio de Janeiro - RJ) em 10/12/2002