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O idioma pede socorro

 

A Academia Brasileira de Letras desfraldou recentemente uma nobre bandeira: a da defesa da língua portuguesa. A verdade é que ela está correndo sérios riscos, desde quando, nos currículos escolares, foram extintas disciplinas que enriqueciam a cultura dos nossos estudantes.

Assim, primeiro foi a vez do latim, que é a nossa origem e a nossa matriz. Depois, riscado o ensino do idioma francês. Agora, estão abolindo o ensino da Literatura. Já existem gramáticas, e até mesmo professores, que estão cortando a segunda pessoa do singular e do plural - o tu e o vós - na conjugação de alguns verbos.


A nossa língua já enfrentou muitos perigos. Antes, era a ameaça dos galicismos. Depois, a invasão americana, no embalo do cinema e, agora, da televisão e da internet. Em seguida, a avalancha da gíria vulgar e limitada.


Parece até que estamos diante de uma ofensiva orquestrada contra o idioma e a obra de Camões, Gil Vicente, Vieira, Bernardes, Herculano, Garret, Eça e Camilo.


Os países de língua portuguesa já totalizam um universo de 230 milhões de pessoas que falam o nosso idioma comum. Na Academia da Latinidade, portugueses, espanhóis, franceses e italianos têm evidenciado seu empenho em aliar-se aos brasileiros, na defesa comum dos idiomas neo-latinos, ante a invasão hegemônica dos anglo-saxões. Se alguém tiver alguma dúvida sobre este perigo, basta ir até a Barra da Tijuca, no Rio, que, com seus letreiros luminosos, supermercados e nomes de seus edifícios, já está sendo conhecida como a ''Miami brasileira''.


Basta relembrar também os erros cometidos na redação de textos para vestibulares universitários e concursos públicos, mostrando total desconhecimento do léxico e de gramática. Num recente concurso para juiz, realizado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, de 838 candidatos inscritos, apenas 55 foram aprovados. Dos 783 reprovados, muitos ficaram na prova da Português.


Não era por acaso que os vitoriosos conquistadores da Antigüidade levavam sempre, com suas tropas, o idioma que pretendiam colocar à disposição dos povos vencidos, como veículo de sua administração e cultura. A língua pátria é uma instituição relacionada à independência e à soberania. Até agora, ao longo de cinco séculos, nós, brasileiros temos conseguido resguardar a unidade do nosso país, falando o mesmo idioma do Acre ao Rio Grande do Sul, com pequenas variações de dialetos e de sotaques, graças à ação dos bandeirantes, dos jesuítas Anchieta e Nóbrega e das etnias que construíram esta nação.


Conforme já advertiram os acadêmicos Sérgio Paulo Rouanet e Eduardo Portella, devemos nos prevenir contra os exageros de um nacionalismo xenófobo. Mas, por outro lado, desde que, no dia 28 de janeiro de 1897, foi inscrita, no art. 1º dos Estatutos da ABL, a cláusula pétrea de defesa da cultura da língua e da literatura nacionais, a Academia Brasileira de Letras assumiu uma responsabilidade muito grande na salvaguarda e na sobrevivência dessa língua. Ela é um patrimônio sagrado que recebemos, entre outros, de Ruy, Alencar, João Ribeiro, Machado, Humberto de Campos, Euclides, Nabuco, Bevilaqua, Laet, Alceu, Rosa, Laudelino, Barbosa Lima, Athayde, Houaiss, Callado e Aurélio - e que temos de transferir, enriquecido e forte, às futuras gerações.


Este movimento de alerta e advertência da ABL bem merece o apoio da universidade, da imprensa e da sociedade brasileiras, bem como da Academia de Ciências de Lisboa, para que esta bandeira não caia de suas mãos. Dos debates travados na ABL, restou um documento oficial apresentado ao Governo e ao Congresso brasileiros (talvez um dos raros documentos oficiais que a Academia já emitiu até agora, ao longo dos 108 anos de sua existência), no qual ficou bem definida a sua posição na defesa da língua e da literatura nacionais.


O vernáculo português aí está pedindo o nosso socorro e nós temos o histórico e estatutário dever de socorrê-lo. Antes que seja tarde demais.




Jornal do Brasil (Rio de Janeiro - RJ) em 11/02/2004

Jornal do Brasil (Rio de Janeiro - RJ) em, 11/02/2004