Esquecemo-nos de que hoje o âmbito da educação no mercado nacional chega aos seus R$ 12 bilhões anuais envolvidos, a responder por 10% da atividade negocial do País. Trata-se de macroatividade que encontrou dinamismos próprios e que tem condição, frente a uma política pública, ao mesmo tempo, de confrontar, à tarefa da educação, o teor ainda muitas vezes mal estimulado da sua atividade negocial. Demoraram esses últimos a aparecer, no que fosse investir no ensino, alinhando-se, à Carta de 88, a educação de toda idéia de constituir uma concessão, exercível por ação delegada do Estado e se mantendo fiel às características de um serviço público.
Hoje, exatamente, o País apresenta alguns experimentos vingados, em termos de economia de escala, dessa organização tardia da educação entrada firmemente no mercado, como resposta à definição do direito de ensinar, como aberto a toda a sociedade civil brasileira e a quem queira nela correr o seu risco.
Podemos ter atualmente campus com 45 mil ou 85 mil estudantes privados, não obstante mais de 50% das entidades de ensino particular do terceiro grau não atinjam o grau universitário, nem se dediquem a mais de um milhar de alunos. Como se definem as economias de preços, dentro de diversidade de escalas que já permitem esses diversos empreendimentos? E de que forma a versatilidade, já lograda por algumas dessas casas, permite-lhes, pelo seu tamanho, um nível de oferta desses serviços a um estudantado que se alterou radicalmente na última década?
De outra parte, a iniciativa privada se instalou na aposta de longo prazo sobre essa mobilidade e talvez já proponha essas fórmulas de economia de escala em que possa começar a atender àqueles grupos menos favorecidos, que, mesmo num sistema de quotas, ficariam como um enclave frente à expectativa de acesso igualitário de todos os brasileiros à educação - pública ou privada -, que garantem os princípios da Carta Magna. O que Tarso vê como a política de urgência nasce desse paradoxo de que, se temos hoje 3 milhões de estudantes superiores, mais da metade desse número pode cursar, e não o faz, pela estrita falta de condições econômicas.
O excesso de oferta na universidade privada é matéria de interesse público e leva ao preenchimento, por estímulos do Estado, das vagas no campus particular. Como idéia-força, enfrentará ainda toda uma disciplina para responder também à diversidade de perspectivas que se escondem sob o rótulo múltiplo da universidade privada. Nelas estão as confessionais, as comunitárias, ao lado das que enfrentam o risco - no caso, fiscalizado pelo poder público - de combinar a qualidade da oferta com a fome da demanda. Ou todos os impasses que a busca do status venha de par com o conhecimento, ou se possa confinar a garantia do efeito da mobilidade social para classes ascendentes, mesmo fora de uma adequação de carreira ou profissão, como as entendam as nossas corporações.
Mas, a ficar-se no desafio básico de quadruplicar em sete anos os universitários brasileiros, Tarso trouxe, para a agenda de Lula, o recurso a fórmulas distintas do eterno apelo ao reforço da área pública, e tal é essencial dentro de parcerias, de regimes de livre adesão e de busca conjunta de saídas. Seja a da renúncia fiscal, seja a de projetos de compensação, depois de formados, do ensino gratuito do aluno rico por um fundo de financiamento à educação do desfavorecido, seja através de toda a reformulação dos fundos de assistência estudantil, que, neste momento, só lograram atingir, desde o seu início, 250 mil estudantes.
Difícil, nessa perspectiva, é, ao mesmo tempo, se apostar numa modificação de forças na troca de paga de ensino por trabalhos comunitários e sociais dos seus favorecidos. Não logrou o chamado PAD mais de 25 mil beneficiados nesse mar da carência e fome de demandas com que a meninada de 18 anos força a entrada no campus. Força que míngua, aliás, pois que só 30% desse mesmo grupo ainda mantêm o velho impulso.
Ao seu lado estão a busca das carreiras curtas, dos misteres mais que das profissões, que, aliás, em boa hora deu conta o governo anterior, através dos chamados cursos tecnológicos e seqüenciais. O que desde agora se torna irreversível no lance de Tarso Genro é o momento da proposta. E dela resulta, mais do que as reflexões sobre o nominalismo da universidade pública ideal, saber o quanto o setor maciçamente majoritário dessa prestação não tem de trabalhar, diante das políticas públicas, como uma cópia ou uma extensão da atividade de governo. E, nesta, saber que a alternativa não é o mercado selvagem. Mas a busca dos marcos regulatórios dos incentivos, em que o direito de ensinar responda à cobrança da inventiva, da variedade, das diversidades de propostas, em que se degela uma componente decisiva da democracia brasileira.
Jornal do Commercio (Rio de Janeiro - RJ) em 05/03/2004