Devemos aos intelectuais do PT uma louvável contribuição à semântica nacional. Antigamente, quando os governos trocavam favores em troca de adesão, eram indistintamente acusados de fisiológicos. Agora, a fisiologia mudou de nome, tornou-se governabilidade.
Para governar, bem ou mal não importa, é necessário cometer atos fisiológicos. Tudo bem. Lula e o PT são mesmo diferentes, desdenham o fisiologismo que sempre combateram. Apenas adquiriram governabilidade.
Já contei duas historinhas a respeito da troca de nomes e conceitos. Uma delas, inspirada no extenso e pitoresco anedotário iídiche, conta que dois judeus, Samuel e Jacó, se encontraram e um deles disse para o outro: "Samuel, meu coração está cheio de tristeza! Ouvi dizer que seu filho está dando!". No dia seguinte, Samuel encontra o amigo e diz: "Jacó, meu coração está cheio de alegria! Meu filho não está dando, está tomando!".
A outra história envolve cristãos. Um abade licencioso vai a Paris e se hospeda numa pensão de prostitutas. Na primeira ceia, servem-lhe um assado de carneiro ao molho de madame Pompadour. O abade prova e se rejubila: "Excelente! Só que lá no meu convento este é o molho de santa Teresinha!".
Dar ou tomar, num certo sentido, podem ser a mesmíssima coisa. Madame Pompadour e santa Teresinha, a cortesã dissoluta e a santinha do Carmelo, conforme as circunstâncias, podem ter o mesmo sabor. Fisiologismo e governabilidade, nos dicionários futuros, serão sinônimos, graças a Lula, ao PT e a seus intelectuais. A língua, como aquela dona da ópera de Verdi, é "mobile".
Para efeitos de "Diário Oficial", que bate o martelo nas nomeações, editais de concorrência e decretos que regulam a vida nacional, os nomes são indiferentes, desde que signifiquem a mesma coisa.
Folha de São Paulo (São Paulo - SP) em 09/03/2004