Ainda bem que há gosto para tudo. Um milionário americano passou uns dias aqui no Rio, trazendo no bolso um iate que é maior do que um couraçado-de-bolso da 2ª Guerra Mundial. No bolso do milionário ainda sobraria espaço para iates tão colossais que poderiam comportar o Taj Mahal, a basílica de São Pedro, de Roma, e o Maracanã inteiro, com lotação esgotada.
Se eu fosse milionário (sem querer, cito uma canção italiana dos anos 50, "quante cose vorrei fà"), eu gastaria meu dinheiro de forma mais espalhafatosa, teria um iate maior e melhor, onde, além dos monumentos já mencionados, colocaria a Luma de Oliveira, agora solteira e sem gravidez, as obras completas do Paulo Coelho, o Cristo Redentor sem os braços abertos, 20 quilos de vaselina de boa procedência, um fio de prumo e uma corda com duas pontas, em homenagem ao Campos de Carvalho, que desejava ir para a Bulgária levando a vaselina, o fio de prumo e a corda com duas pontas.
Não saberia o que fazer com tudo isso, mas o importante seria realizar um verso do Ribeiro Couto que li na adolescência: "Se eu tivesse um barco, eu partiria agora".
Talvez nem partisse. Ficaria ancorado na Guanabara mesmo, fazendo o que Deus fazia antes de ter a idéia sinistra de criar um mundo: nada.
Meu barco inútil, minhas ambições inúteis, pensando bem, não me fazem falta. Uma canoa talvez fizesse o meu gênero, como a daquele conto do Guimarães Rosa, em que o cara ficou no meio do rio sem ir para margem alguma.
Como se vê, o cronista é bastante complicado, quer e não quer tudo ao mesmo tempo. No fundo, como dizia a mãe dele, "este menino não sabe o que quer, vai terminar na pior, jornalista como o pai!".
Profecia de mãe é pior do que agouro de coruja à meia-noite. Mas, se tivesse de escolher entre o iate e a canoa, continuaria pedestre na minha cidade, sem a responsabilidade de tomar conta da Luma de Oliveira.
Folha de São Paulo (São Paulo) em 11/03/2004