Pescava em cima de umas pedras que estavam dentro do lago. Olhou para trás e viu que a mulher o observava. O céu era cinzento, ameaçava chuva, a região deserta. Olharam-se nos olhos, a mulher falou qualquer coisa que o encorajasse - o que não foi preciso. Havia um atalho, penetraram no pequeno bosque de bambus - havia muitos ali. Amaram-se sem esforço.
- Querendo, você pode me visitar hoje à noite.
- Não tem gente em casa?
- Tem as meninas. Meu marido foi ao Rio, é funcionário federal.
- Eu vi, outro dia, uma moça no quintal...
- Marina? É a mais velha. Tem 14 anos. Dorme cedo e não acorda nem com um terremoto.
Combinaram os detalhes e ele a procurou várias noites, na sala ao lado do quarto onde, amontoados, dormiam Marina e três irmãos menores.
O marido regressaria no fim de semana, e, na última noite em que ali dormiu, acordou com os gritos das crianças: um porco fugira do cercado e invadira a cozinha. Fuçou, fuçou e penetrou no quarto. Um dos meninos dormia no chão, ao lado da cama de Marina. O porco cheirou, cheirou e começou a comer um dos pés do garoto. Chegou a devorar alguns dedos dos pé.
Marina acordou com o barulho do porco e do menino, invadiu o quarto da mãe berrando. Deu com ele na cama, preparando-se para levantar. A mãe dormia ainda, pesada, cansada.
Ele suspeitou que Marina já tivesse surpreendido a mãe com outros homens, em situações iguais ou piores: olhou-o sem surpresa, mas sem raiva. Quanto ao porco, os gritos de Marina e dos irmãos o espantaram. Deixou o menino aos berros, sem três dedos do pé.
No dia seguinte, quando se dirigia ao lago para pescar, passou pela casa e encontrou a mulher na janela, coçando as costas do marido que, de camisa de meia, apoiava-se no peitoril para apreciar a paisagem, deixando à mostra dois braços peludos e fortes. Odiou a mulher e, ao passar pelo quintal, olhou o porco que fizera o estrago na véspera. Era enorme, obeso, rolando banha pelo chão enlameado. Marina lá estava, dando comida aos animais. Cumprimentou-a e ele percebeu que já era realmente moça. Viu Marina afastar-se e só então reparou que ela capengava de uma perna.
Chamou-a, ela não acreditou, ninguém a chamava.
- Que foi isso na sua boca?
- O padrasto me bateu. Ele me odeia.
- E sua mãe? Não a defende?
- Ela também me odeia.
- Posso fazer alguma coisa?
- Pode. Me tire daqui, vou para qualquer lugar que me leve.
- Mas levar como? Sou estudante, não tenho emprego, moro sozinho no Rio... Levar aonde?
Ele notou que a moça esperava por isso. Abaixou a cabeça e parecia ir embora.
- Que que há agora? Por que está chorando assim?
- Todas as vezes que via o senhor passar, pensava que fosse por mim, para me ver. Até que veio aquele dia, quando o porco invadiu a casa, o senhor estava no quarto, com ela...
- Mas...
Ele achou tudo complicado:
- Eu mal conheço vocês. E o que sei é horrível. Se eu me largo com uma menor por aí, o seu padrasto bota a polícia atrás da gente...
Ela agarrou-se nele. Não pôde evitá-la. Rosto encostado no rosto, ele viu os arranhões que o padrasto deixara nos ombros dela. Sentiu pena daquela menina que tremia em seus braços, pomba assustada, enferma.
- Vou pensar, Marina, vou pensar.
- Hoje eu não volto para casa de jeito nenhum! Não quero mais ver aquele homem! E ele está esperando que eu volte, a mãe está fora, não posso passar a noite com ele...
- Bem, nesse caso, acho que quem deve ir à polícia é você. Posso acompanhá-la. Você faz a queixa.
- Polícia! Não vai adiantar nada! O padrasto é amigo do pessoal da polícia, viaja todo o mês para o Rio. Todos têm medo dele!
Ele se sentiu envergonhado ao atravessar a rua principal da cidadezinha. Todos olhavam o forasteiro, o estudante do Rio, metido com a menina descalça, maltrapilha, os cabelos desalinhados.
Na pensão, ele pediu a conta. Sobrou dinheiro, o bastante para a passagem dela. E para comprar um vestido ordinário, um par de sandálias. Marina arrumou-se no lavatório das senhoras, na própria estação da Rede Mineira de Viação - um lavatório cheirando a coisas podres.
- Estou bonita?
Ele a esperava na plataforma. Quando viu a menina mal embrulhada no vestido ordinário, teve mais pena de si mesmo do que dela.
"Seja o que Deus quiser!"
Fizeram hora até a chegada do noturno. Alojaram-se na segunda classe. Amanheceram em Cruzeiro. Ele olhou a companheira. A intimidade com as galinhas, os porcos, os cabritos fazia vir dela o cheiro de bicho, de mato.
Ela despertou. Olhou em torno:
- Onde estamos?
Ele mostrou a tabuleta com o nome da estação.
- Veja!
Ela olhou na direção indicada.
- Desculpe. Eu não sei ler as letras.
Folha de São Paulo (São Paulo) em 12/03/2004