Do jornal como instrumento de mudança é tema que me empolga há mais de meio século. Exatamente em 1951, escrevi no jornal em que trabalhava, uma série de vinte artigos, subordinados ao título de "Jornalismo e Literatura", que depois ampliei para a edição de um pequeno volume lançado em 1954 pelo Ministério da Educação no setor dirigido por Simeão Leal. Comentando esse livro, em artigo saído no "Jornal do Brasil", opinou Alceu Amoroso Lima que o assunto merecia atenção, o que o levou a suas considerações, "Do Jornalismo como gênero literário".
Em 1958 meu "Jornalismo e Literatura" saiu também pela Ediouro e foi adotado em diversas faculdades do país. O interesse pelo tema provocou, neste nosso 2003, um grande seminário, organizado por Mauro Sales, com o apoio da Academia Brasileira de Letras, que atraiu a inscrição de perto de quinhentos candidatos, o que mostra a evolução de uma tese que, no começo dos anos 50, não era tão claramente aceita.
A força do jornalismo que podemos chamar de opinativo aparece este ano em recolta de artigos de Augusto Marzagão que, sob o título de "A semeadura e a colheita (1994-2003)", acaba de ser publicada pela Editora Ao Livro Técnico. O que traça o comunicador Marzagão, nesse livro, é um verdadeiro retrato do Brasil de hoje.
Com sua experiência de haver sido chefe de comunicação de três presidentes da República - Jânio Quadros, José Sarney e Itamar Franco - está em posição de analisar homens e acontecimentos dos últimos quarenta anos de nossa história. Esses artigos, escreveu-os ele depois de haver exercido sua influência tanto em nossa terra como no México onde ocupou importante posto executivo no setor da televisão.
O que fizemos, o que não fizemos, o que disseram e fizeram muitos dos governantes e de ocupantes de postos de comando aqui e lá fora, tudo aparece nesses artigos cujo estilo é de plena clareza e clara argumentação. Veja-se a parte de seu livro que tem o título geral de "O desafio ecológico".
Poucas vezes tivemos campanha tão convincente em favor da ecologia como no que tem Marzagão a dizer no assunto. O problema da água no mundo e no Brasil provoca páginas e mais páginas do livro, desde o ensaio em que trata do futuro das águas até o degelo da Antártica, a destruição da Amazônia, a agonia das águas, as águas que vão descer do Pólo Norte, a maré negra e o alerta contra o crime geral que todos cometemos quando na realidade trabalhamos, consciente ou inconscientemente, contra a preservação da minúscula parcela de 1% da água doce planetária que serve ao consumo do homem.
Em "Temas de nosso tempo", segunda parte de seu livro, reúne Augusto Marzagão análises da situação do Brasil em comparação com outros países, fala de aspectos da globalização, discute as mudanças que possibilitaram uma presença maior e mais decisiva da mulher na política, aponta os problemas normais dos 5.559 municípios do Brasil. Uma das partes mais significativas do livro é a que se dedica à "Babel da comunicação". Esmiúça o autor o constante perigo a que a reputação de todos os tipos de pessoas fica sujeita na confusão e no enfoque da imprensa.
Como não podia deixar de ser, coloca Marzagão a luz mais forte, de suas análises nos problemas políticos do momento. As realidades estão aí e aparecem todos os dias em jornais, revistas, rádios e tevês. Seja a exclusão que parte às vezes até não muito conhecida que nossa população sofre, seja a falta de ensino para todos, ou o das balas perdidas, ou das falhas em nosso sistema de educação, ou a violência de todo dia, seja o racismo diluído pelo país, ou a realidade carcerária de nossa justiça - tudo isto entremeado com aspectos positivos de nossas iniciativas em setores diversos.
Do ponto-de-vista exclusivamente político, merecem atenção dois capítulos de "A semeadura e a colheita": o que fala na luta vitoriosa de Itamar contra a inflação e no sucesso da criação do real em meados dos anos 90. Uma inflação que já beirava os 50% caiu, num prazo previsto, a 6%. O segundo capítulo é o que diz: "Tempo de confiar em Lula", no qual distingue um tom novo no governo que tomou posse no primeiro dia de 2003.
Inclui também o autor em seu livro três capítulos sobre escritores da América Latina: Jorge Amado, Octávio Paz e Gabriel Garcia Márquez. Presta homenagem ao criador de Gabriela: "Na luta ideológica e política, na militância social, numa cadeira parlamentar ou em suas andanças de exílio e de fama global, na Academia Brasileira de Letras e nos candomblés da Bahia, nas sagas do cacau, do coronelismo, das tocaias, das pescarias e dos becos de Salvador, convivendo com poderosos ou amargando o porão das prisões políticas, glorificado ou perseguido, no conhecimento das mulheres ou na monogamia com Zélia Gattai, Jorge Amado constrói em cada caso e em cada cenário um perfil raro e uma legenda duradoura."
"A semeadura e a colheita (1994-2003)", de Augusto Marzagão, lançado por Ao Livro Técnico, aparece com prefácio de José Sarney e "orelha" do jornalista Pedro Gomes.
Tribuna da Imprensa (Rio de Janeiro -RJ) em 22/10/2003