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Droga, crime e narcoimperialismo

 

O problema da droga está assumindo, não apenas no mundo, mas no caso particular do Brasil, proporções alarmantes, por isso não pode continuar restrito a atuações policiais de rotina.


A matéria, em seus termos essenciais, apresenta três aspectos da mais alta relevância: a droga se tornou um dos maiores negócios do mundo, movimentando trilhões de dólares por ano; seu consumo, particularmente nos Estados Unidos, escapa a qualquer controle e, em decorrência, uma gigantesca e incontrolável demanda da droga, também provinda de outros países, suscita uma correspondente e também incontrolável oferta. Países circundantes do Brasil, como criticamente Colômbia e Paraguai, mas também, em apreciável medida, Peru e Bolívia, se tornaram áreas em que a produção e o tráfico da droga adquiriram níveis alarmantes.


Entre outros efeitos, a contigüidade desses países gera uma importante penetração da droga em território brasileiro, seja para reexportação, seja para o consumo nacional, conduzindo ao criminoso controle das favelas cariocas e de áreas equivalentes de São Paulo pelas gangues da droga. A extrema gravidade dessa situação requer prontamente, de parte do governo brasileiro, uma séria análise e correspondente adoção das medidas apropriadas.


Os óbvios efeitos anti-sociais do consumo de drogas, ademais de suas ruinosas conseqüências para a saúde dos consumidores, levaram os países civilizados a criminalizar sua produção e sua distribuição. Partiu-se da suposição de que seria quase impossível controlar, a nível de cada indivíduo, o consumo de drogas. Os Estados Unidos - país em que se encontra o maior número de consumidores - montaram um grande sistema para combater o fornecimento de drogas, dotando de vultosos recursos a correspondente agência especializada, DEA (Drug Enforcement Agency). A DEA atua não apenas em território americano mas, cada vez mais, nos territórios de sua produção e distribuição. Dessa política surgiram os Planos Colômbia e Paraguai.


Esses dois países estão submetidos a um processo de crescente intervenção direta da DEA, com correspondentes apoios financeiros e militares. Sem pôr em dúvida a sincera motivação antidroga que conduz a tais intervenções, não pode escapar a nenhum observador lúcido o fato de que a droga, muito mais eficazmente que o antigo anticomunismo, está servindo de justificação para o que se poderia designar de narcoimperialismo, submetendo ao controle dos Estados Unidos países que circundam o Brasil.


A coincidência entre o projeto de formação de um Sistema Sul-Americano de Cooperação Econômica e Política, aprovado na recente cúpula sul-americana, e os Planos Colômbia e Paraguai, não pode, igualmente, escapar a ninguém. Como tampouco pode deixar de se tornar evidente o fato de que o exercício de direto controle americano sobre tais países, com possível extensão para Bolívia e Peru, torna impraticável um autônomo projeto sul-americano, torpedeia o Mercosul em um de seus quatro membros e reduz a América do Sul a uma Alca sob o controle da DEA.


O que pode fazer o Brasil? Trata-se, evidentemente, de um assunto da mais alta relevância e urgência estratégica que o governo brasileiro precisa, imediatamente, colocar na sua agenda de prioridades. Sem prejuízo dos complexos estudos e discussões que o tema requer, creio se possa, desde logo, formular duas propostas. A primeira diz respeito às políticas que convenha ao Brasil adotar, face às circunstâncias de que a produção e a distribuição de drogas configuram, presentemente, a prática de graves crimes. A segunda diz respeito à notória impotência revelada até agora - que, ao que tudo indica, continuará se revelando - por todas as práticas repressivas da produção e distribuição de drogas.


Ante a gravidade assumida pelo narcotráfico em países como Colômbia e Paraguai e a subseqüente intervenção americana, compete ao Brasil, como país vizinho e amigo, participar dos esforços de apoio aos governos desses países, concitando a que deles também participem Argentina e Uruguai, membros do Mercosul, e Chile, quase-membro. Juntar-se-iam assim tais países aos esforços americanos na ação de apoio à atuação antidroga dos governos de Colômbia e Paraguai, prestando aos Estados Unidos, concomitantemente, o benefício de deixarem de figurar internacionalmente como narcoimperialistas.


Ao mesmo tempo, com uma efetiva e séria contribuição aos governos de Colômbia e Paraguai no combate à droga, o Brasil deve buscar apoio na América do Sul, na Europa e no restante do mundo, inclusive nos próprios Estados Unidos. A idéia é as Nações Unidas promoverem uma grande discussão científica internacional para analisar a questão do narcotráfico e buscar elementos empíricos que indiquem se os malefícios sociais decorrentes da descriminalização da droga seriam maiores ou menores que os decorrentes dos presentes intentos de controlar o narcotráfico por via policial.


Dois excelentes artigos publicados há alguns anos por The Economist sustentaram, convincentemente, a tese de que a criminalização da droga, como no antigo caso da ''prohibition'', produz efeitos muito piores do que os que decorreriam de sua liberação. É preciso urgentemente discutir cientificamente esse assunto, em escala internacional.


Jornal do Brasil (RJ) 29/6/2005